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Homenagem ao cineasta George A. Romero com o filme “Despertar dos mortos”

Por Gilberto Silva Jr.

O horror como visão do mundo

Em 1968, uma produção de baixo orçamento chegou para definir paradigmas em um novo subgênero no coração daquilo que até então se entendia como cinema de terror. “A noite dos mortos-vivos”, longa-metragem de estreia de George A. Romero, praticamente lançou a temática que seria futuramente rotulada como apocalipse zumbi. Aos 28 anos, Romero pode não ter de todo criado os elementos, mas foi o delineador de uma situação que viria a servir de base para praticamente tudo que foi feito no tema até hoje: sem muitas explicações prévias, mortos voltam à vida, necessitando se alimentar da carne – ou, em especial, dos cérebros – dos sobreviventes, permanentemente acuados pelo perigo encarnado nos mortos-vivos. Mais que o nascimento de um subgênero, vemos aí o deslanchar da carreira de um grande cineasta que, ao longo de sua trajetória criativa de mais de quatro décadas, jamais veio a abandonar o horror em suas variadas facetas.

 

Nesse contexto, a situação embrionária do embate entre vivos e zumbis viria a ser recorrente na totalidade de uma obra que, mais que provocar sustos, fazia uso dela para tecer irônicos comentários sociopolíticos. Dez anos passados do primeiro filme, o diretor, que nesse intervalo não apresentou outro trabalho que causasse o mesmo impacto, retornou ao universo naquele que é até hoje considerado seu filme mais bem-sucedido: “Despertar dos mortos”. Este dá sequência imediata à ação deslanchada em “A noite dos mortos-vivos”. O filme não começa de forma a introduzir a ação nos cânones da narrativa convencional. Ele simplesmente dispara, dentro do caos instalado em uma emissora de TV, quando em breves minutos sabemos que a “epidemia zumbi” já se encontra completamente fora do controle, com todos desesperados em concretizar sua fuga.

 

Romero desenvolve sua narrativa pensando não em uma evolução contínua da história, mas em quadros independentes, que evocam aspectos do contexto social norte-americano ou mesmo universal. Esses blocos reforçam a tese, corroborada por Romero, de que o filme fora concebido como uma história em quadrinhos. Vemos os mortos-vivos como excluídos, querendo ocupar, mesmo que instintivamente, um lugar ao qual nunca parecem ter pertencido. Ao sair de helicóptero e encontrar o shopping abandonado como refúgio, os protagonistas se espantam com a naturalidade que leva os mortos-vivos a se dirigir e transitar pelo local. Surge a explicação que esses seriam guiados por “lembranças do que costumavam fazer” e que o lugar seria “importante em suas vidas”, numa referência debochada à sanha de consumo quase inconsciente da classe média. Todo o filme se desenvolve para além da criação de tensões bem orquestradas pela montagem do próprio Romero, também na apresentação de situações sutis que reforçam as contradições na sociedade capitalista, assim como na abordagem de uma sátira comportamental que pensa como as pessoas agem diante de situações-limite. Coisas que tornam, em plena era Trump, o cinema de Romero carregado de uma fascinante atualidade.

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