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Era Uma Vez Em...Hollywood

Por Marcelo Janot

Era uma vez em... Tarantinoland

A Hollywood que vemos em cena em “Era uma vez em... Hollywood” poderia se chamar “Tarantinoland”. Se a meca do cinema foi criada para vender sonhos e ilusões através de tantos “era uma vez...”, Tarantino sabe como ninguém lidar com esse aspecto mitológico. Ao longo da carreira ele colecionou citações e homenagens, fazendo com que a diegese extrapolasse o espaço narrativo dos filmes e se perpetuasse fora dali, no mundo de Tarantino.

O universo tarantinesco é o reino do faz de conta onde Hitler é morto dentro de um cinema (em “Bastardos inglórios”) e onde um dos aspectos mais cruéis do star system, que é a descartabilidade, pode ser revertida. Ele é capaz de resgatar os personagens de “Os embalos de sábado à noite” e da série para TV “Kung Fu”, ressuscitando-os junto com seus intérpretes John Travolta e David Carradine, em referências metalinguísticas que enriquecem a experiência cinematográfica de “Pulp fiction” e “Kill Bill”. Isto serve de chave para a compreensão plena do novo filme.

Se Los Angeles servia como um habitat natural para sua ficção no início da carreira, desta vez Tarantino não poderia estar mais à vontade, pois a junção das histórias fictícias do ator Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e do dublê Cliff Booth (Brad Pitt) com a da atriz Sharon Tate (Margot Robbie) lhe permite acrescentar ainda mais camadas de significados às reflexões sobre as engrenagens hollywoodianas.

Como o assassinato de Sharon Tate por seguidores da seita de Charles Manson em 1969 é um caso mundialmente conhecido, o espectador imagina que em algum momento a trajetória de Dalton e Booth deve se cruzar com a de Tate, que durante boa parte do filme parece um elemento figurativo. A tensão pela expectativa do crime só surge para valer no fim do longa, e até lá Tarantino se permite fazer o que mais gosta, que é falar de cinema.

 

A narração em off reforça a ideia de que há um autor externo manipulando a narrativa ficcional. Com esse salvo-conduto em mãos, presta o mais belo tributo que Sharon Tate poderia receber. É através da linda cena em que ela vai ao cinema, e a Sharon da ficção assiste à verdadeira contracenando com Dean Martin em “Arma secreta contra Matt Helm”, vibrando com a reação da plateia à sua própria atuação cômica, que percebemos o quão promissora parecia ser a vida e a carreira da talentosa atriz. Se o acaso pode ser cruel, ele não impede que a arte triunfe à sua maneira, ou melhor, à maneira de Tarantino, algo que é reforçado pelo final surpreendente e antológico.

Era Uma Vez em... Hollywood (Once Upon a Time... in Hollywood), de Quentin Tarantino (EUA/Reino Unido/China, 2019). Com Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Margot Robbie.

Comédia dramática. Sinopse: Um ator em decadência e seu dublê se esforçam para alcançar o sucesso no cinema durante os últimos anos da Era de Ouro de Hollywood, em 1969. 161 min. 16 anos.

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