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2046 – Segredos do Amor, de Wong Kar Wai (China Hong Kong/Alemanha/França)

Por Pedro Butcher

Festa para os olhos e para os ouvidos, o cinema de Wong Kar-Wai não tem medo de ser exuberantemente belo. Enquadramentos, movimentos de câmera, cores e - talvez principalmente - o uso da música geram uma combinação absolutamente inebriante, sem que essa combinação se transforme em uma estética vazia e opaca.

Tal feito só é possível porque o universo trabalhado pelo cineasta é, ele próprio, o da profusão de imagens. Seus filmes se alimentam do caos urbano da China capitalista e aprofundam a vertigem de um imaginário infinitamente multiplicado pela publicidade, pela televisão e pelo próprio cinema. Em todos os seus trabalhos somos convidados a nos perder em um labirinto de espelhos que, de certa forma, reproduz o labirinto do desejo humano.

Em 2046 - Segredos do Amor (2046, 2004) essa característica talvez se torne mais evidente em função da própria estrutura narrativa, que propõe um ir e vir no tempo. Mais uma vez, aqui, o diretor quer contar uma história de amor. Não há, porém, "princípio, meio e fim", pois o desejo não é teleológico. O amor não faz gol, não tem objetivos concretos, e justamente por ser inexplicável e oscilante, tanto pode ser alegre como triste, eufórico como depressivo. Mas nunca, simplesmente, "feliz".

Em Happy Together acompanhávamos uma relação gay em fase de implosão. Juntos, ironicamente, os personagens centrais já não eram mais capazes de ser felizes, apenas se destruíam. Amor à Flor da Pele, por sua vez, contava um amor tristemente impossível. O pudor, as regras sociais e o constrangimento que separavam os protagonistas se refletiam em um jeito de filmar específico e poético: os personagens nunca eram enquadrados de maneira "perfeita"; ou eles eram vistos parcialmente (na falta de um rosto, em um pedaço do corpo) ou por meio de "anteparos" (através de uma janela, de uma porta entreaberta).

Em 2046, a complexidade do desejo se confunde com a complexidade da criação, nos amores reais e inventados pelo escritor Chow Mo Wan (Tony Leung Chiu Wai). O titulo do filme é, ao mesmo tempo, o número de um quarto de hotel e o ano do futuro em que se passa uma das histórias escritas por Chow (um melodrama futurístico sobre a paixão entre um japonês e uma andróide). O que o escritor vive e o que imagina são elementos que se confundem na tela e refletem a própria confusão emocional do personagem. Aparentemente, 2046 conta várias histórias, mas, no fundo, todas elas são uma só: a história de um homem incapaz de amar.

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