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Rainha, A (The Queen), de Stephen Frears (Reino Unido/França/Itália)

Por Ricardo Cota

Antes de o leitor iniciar o texto, peço que se dirija ao youtube, este verdadeiro aleph audiovisual que dispõe ao internauta um arsenal de imagens raras e reveladoras. Digite The Christmas Broadcast 1957. O que se vê é a primeira transmissão da mensagem de fim de ano da rainha da Inglaterra, Elizabeth II. Nota-se claramente o desconforto da oradora diante de um veículo ainda em seus primórdios. Sentada à cabeceira de uma mesa repleta de porta-retratos, a rainha fala com pouca naturalidade sobre a importância do novo veículo e mal consegue disfarçar olhares fugidios para um texto de apoio sobre a mesa.

A primeira vez que vi esta imagem, fui remetido imediatamente ao filme de Stephen Frears. Não apenas pela presença óbvia da protagonista ou pela notável semelhança entre ela e a atriz Helen Mirren, semelhança esta que se impõe muito mais pela composição de Mirren do que pela mera aparência física. A imagem estabelecia uma nova visão do filme. Lembrei-me também das últimas imagens da princesa Diana, o momento em que ela passa pela porta do hotel em direção à tragédia. Em 40 anos, as formas de captação de imagem mudaram muito. E é nessa mudança que reside uma boa parte do drama de A Rainha (The Queen, 2006).

A imagem do discurso da rainha no youtube é uma concessão. A realeza concede ao espectador a oportunidade de entrar em seus aposentos. Tudo está milimetricamente armado, estudado, previamente pensado para que a imagem da rainha transpareça integridade e respeito. O único desvio humanizante são os olhares furtivos para o papel em cima da mesa, num tempo em que provavelmente ainda não se utilizava o recurso do teleprompter. A consagração, anos mais tarde, de uma mídia mais invasiva e menos ética iria reformular o discurso e abalar as estruturas tradicionais tanto da realeza quanto da política em geral. As primeiras imagens de "A Rainha" vêm justamente de uma televisão, em que o então popular Tony Blair exibe sorrisos e confiança. Ao longo do filme, esse diálogo com os meios de comunicação, sobretudo com a tevê, pontuará e engrandecerá A Rainha.

Diana tornou-se um mito pela sua postura de enfrentamento contra o tradicionalismo da monarquia e também pela sua performance midiática. Em contraponto à imagem da rainha resguardada, cuja visão quase sempre é uma concessão aos súditos, Diana foi às ruas, militou em causas sociais, encantou astros pops e paparazzi, para muitos seus verdadeiros algozes. Sua fama rompeu fronteiras geográficas e ideológicas chegando a ganhar um monumento em sua homenagem em pleno centro histórico de Havana.

De forma inteligente, Stephen Frears inverteu a lógica. No seu filme, a câmera torna-se íntima da rainha. Do quarto de dormir ao despacho com o primeiro-ministro, o espectador divide sua privacidade. Diana passa então a ser a sombra. Como o retratista da primeira seqüência, que termina justamente com um close de Helen Mirren olhando firme para câmera, Frears traça um retrato bem aproximado de um personagem estático num mundo em pleno movimento. E nos faz entender melhor quantos detalhes se interpõem entre a rainha de 1957 e a princesa morta em 1997.

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