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Melhor Filme: A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen), de Florian Henckel von Donnersmarck (Alemanha)

Por Carlos Alberto Mattos

Revi A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen, 2006) tentando entender por que o filme me magnetizou tanto da primeira vez. Estava certo de que havia algo além da direção precisa de Florian Henckel von Donnersmarck e das atuações nunca menos que exatas de todo o elenco. Sabia que não eram apenas os cuidados com a imagem (cores dessaturadas, iluminação cálida ou fria segundo a necessidade dramática) e o som (gravado com equipamento analógico para produzir uma sonoridade "de época"). Nesse caso, a eficácia técnico-artística não bastava para explicar a densidade que faz o espectador grudar na cadeira da primeira à ultima cena. 

Para compreender melhor esse efeito, montei um aparato de auto-observação: tentava ver o filme e ver a mim mesmo. Um pouco como se estivesse simultaneamente no lugar de Dreyman, o escritor que vive, e Wiesler, o agente da Stasi que observa. Por duas horas e dezessete minutos, tentei ser eu mesmo e um outro. 

Comecei a perceber a impecável arquitetura do filme quando Wiesler parece ver algo especial no seu binóculo, no teatro. Ele está ali apenas circunstancialmente, sem uma missão específica. A montagem da seqüência indica que seu interesse é despertado não só pela atriz em cena, mas também e principalmente pela figura do dramaturgo, feliz nos bastidores. Já aí Donnersmarck lança a rede de sua equação. Dreyman e Wiesler são os pontos extremos de uma figura geométrica que o filme vai desenhar. Entre os dois vai correr uma linha invisível, uma história de amor que não dependerá de encontros.  

Wiesler e Dreyman são os homens que escrevem. Serão duas consciências em transe ao longo do filme, como linhas que se deslocam de seus respectivos pontos em direção a uma região comum. Não é somente Wiesler que, no contato com o mundo da sensibilidade e do inconformismo, vai trair o sistema que passa a encarar como corrupto e cínico. Também Dreyman, na vivência de perdas sucessivas, vai sair da condição de cooptante do regime para tomar uma atitude mais conseqüente. 

O traço mais sólido do personagem de Wiesler é que ele não muda de personalidade ao mudar de moral. Nem Dreyman ao mudar de posição política. Assim, um grande desafio para a dramaturgia é vencido com maestria pelo roteiro de Donnersmarck. 

Compreendi ainda melhor A Vida dos Outrosquando reparei que Wiesler monta seu bunker tanto para observar os artistas, como para ser observado por nós. O filme estabelece, assim, um dispositivo em cadeia, no qual ocupamos um lugar semelhante ao do personagem. Vemos o homem que vê os outros. O silêncio e a intangibilidade nos torna semelhantes a ele. Por isso ficamos fascinados quando Wiesler rompe a "tela" e entra na clandestinidade. 

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