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Amarelo Manga, de Cláudio Assis (Brasil)

Por Marcelo Janot 

Há uma piada recorrente entre os críticos que diz respeito a como se safar da incômoda pergunta ("Gostou do meu filme?") que às vezes os cineastas nos fazem quando os encontramos em pré-estréias, etc. Brincamos dizendo que a melhor resposta para sair pela tangente nessas horas é: "o filme é a sua cara". E aí cada diretor entenda isso como quiser. 

Amarelo Manga (2003) é a cara de seu realizador, Cláudio Assis: emocional, contundente, agressivo, visceral, descontrolado, desbocado. Na época em que realizou o curta Texas Hotel, Cláudio tinha por hábito xingar e ameaçar agredir jornalistas e jurados que não premiavam seu filme nos festivais. Hoje ele parece mais controlado, até porque Amarelo Mangase tornou um dos filmes mais premiados recentemente nos festivais tupiniquins. Mas a fúria traduzida em fome de fazer cinema permanece, carregando em seu bojo todas as qualidades e defeitos do filme.

Trata-se de um filme que busca o choque, um filme que se aproxima da linguagem do cinema marginal ao procurar romper com um discurso mais comportado do cinema brasileiro contemporâneo. Não é à toa que o slogan de Amarelo Manga, extraído de um dos diálogos, é "o ser humano é estômago e sexo". No caso, repulsa ao sexo, repulsa ao estômago. O cidadão brasileiro que Assis coloca na tela não é o cidadão que estamos acostumados a ver na tela grande e muito menos na tela pequena. É o cidadão que causa repulsa em seus semelhantes e afasta o ibope. Quando nos olhamos no espelho, queremos nos enxergar como nos projetamos e não como somos realmente. O filme de Assis faz com que nos enxerguemos sem retoques, com todas as nossas contradições, e isso é maravilhoso.

Mas há uma certa dose de exagero em alguns personagens e situações vividas por eles. Uma hipérbole da realidade que acaba por prejudicar o sentido, digamos, documental, dessa obra de ficção. Na tentativa de enfatizar o discurso, o filme muitas vezes soa redundante, e nem a sempre competente câmera de Walter Carvalho escapa, como nos repetidos travellings no teto do hotel e do matadouro. A presença da mulher gorda de inspiração felliniana que ventila suas partes baixas com um nebulizador, por exemplo, em nenhum momento se justifica no roteiro, ao contrário de personagens bem construídos, como a garçonete raivosa e o padre em conflito.

Enfim, Amarelo Manga, com todas as suas qualidades e defeitos, é antes de tudo um filme necessário ao cinema brasileiro. Tomara que seja tão visto quanto comentado.

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