Assassinos da Lua das Flores

Por Marcelo Janot

Os lobos de Scorsese

Quando Bill Hale (Robert De Niro) recebe seu sobrinho Ernest (Leonardo DiCaprio) em Fairfax, uma das primeiras formas de apresentá-lo à cultura indígena é recomendando a leitura de um livro infantil no qual, em uma das páginas, há uma ilustração com um desafio: “Você consegue encontrar os lobos nessa figura?”. Lobos, no sentido figurado, são uma presença constante na obra de Martin Scorsese. A hierarquia de poder que envolve os microcosmos sociais que ele tão bem retrata está recheada de situações em que o mais fraco, a qualquer momento, pode ser devorado, reflexo das reminiscências de sua infância e juventude.

Lealdade versus traição é, portanto, um tema central em seus filmes. E não poderia ser diferente em “Assassinos da lua das flores”, que tem em Bill Hale um lobo em pele de cordeiro, que se finge de amigo do povo Osage para depois eliminá-lo. Seus métodos, na pequena cidade de Oklahoma, não são tão distantes assim do comportamento mafioso de outros chefões de seus filmes, ou de Al Capone na Chicago daqueles mesmos anos 20.
 

Inclusivo e engajado ao dar visibilidade à injustiça histórica, “Assassinos da lua das flores” é mais um capítulo da radiografia feita por Scorsese da formação da sociedade americana, presente nos embates tribais de “Gangues de Nova York”, na hipocrisia da rigidez aristocrática em “A época da inocência”, na busca pelo poder e pelo enriquecimento a qualquer custo em “Os bons companheiros”, “Cassino” ou “O lobo de Wall Street”, para citar alguns exemplos. A valorização excessiva do individualismo e o desprezo pelo outro, movidos por preconceito, ignorância e violentos conflitos que se perpetuam por séculos, são feridas que o diretor nunca se furtou a tocar.

No fim, no lugar da tradicional cartela preta contando o destino de cada personagem, um visivelmente emocionado Scorsese faz uma ponta que nos dá a certeza de estarmos diante não apenas de um dos maiores cineastas de seu tempo, mas de que esse tempo ainda é hoje, e que Scorsese continua cheio de inconformismo e com o vigor necessário para continuar a fazer valerem sua voz e sua arte.

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Assassinos da lua das flores (Killers of the flower moon), de Martin Scorsese (EUA, 2023). Leonardo DiCaprio, Robert De Niro, Lily Gladstone.

Drama/Policial. Sinopse: Na virada do século XX, o petróleo tornou a nação Osage a mais rica do mundo do dia para a noite. Tanta riqueza atraiu intrusos brancos, que manipularam, extorquiram e roubaram o dinheiro dos Osage antes de assassinar a sua população. 206 minutos. 14 anos.