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A Vida Invisível

Por Myrna Brandão

Forte, contundente e delicado

“A vida invisível”, de Karim Aïnouz, começou sua carreira com os aplausos da crítica especializada. Ganhou o prêmio Um Certo Olhar no Festival de Cannes, foi escolhido para tentar uma vaga para o Brasil no Oscar e é um dos 10 melhores filmes do ano escolhidos pela Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ).

 

A partir do livro de Martha Batalha, a história segue as inseparáveis irmãs Eurídice e Guida, vítimas, na década de 1950, do machismo institucionalizado. Elas se separam quando Guida vai para a Europa com um marinheiro e é deserdada pelo pai, e Euridice se casa e forma família com Antenor. O filme trata da tentativa do reencontro das duas nos anos seguintes, em busca por uma reparação dos sonhos largados pelo caminho. As irmãs são vividas por Carol Duarte e Fernanda Montenegro – que dividem o papel de Eurídice – e Julia Stocker como Guida. Gregório Duviver completa o elenco principal como Antenor, o marido controlador de Eurídice. Quase tudo se passa em um mundo antes da revolução cultural dos anos 1960. A afirmação feminista que viria anos depois ainda era um desejo difuso das irmãs.

 

O novo filme do diretor dos ótimos “Madame Satã” e “O céu de Suely” tem muitos pontos altos. Além da mão segura do diretor, são visíveis os cuidados com a direção de arte e a fotografia granulada de Hélène Louvart, que revela a natureza do Rio de Janeiro da época. O uso calculado das cores potencializa a emoção de cada cena, fazendo da cidade uma protagonista e um excelente cenário para o melodrama que iremos assistir. O roteiro de Murilo Hauser, Inés Bortagaray e do próprio diretor soube explorar o que a trama do livro poderia oferecer à experiência cinematográfica.

 

É o primeiro longa de Karim rodado em digital, e isso fica bem filtrado na forma como o Rio de Janeiro se apresenta, na tradição estetizada do melodrama, para traduzir visualmente o que Guida e Euridice vivem sem poder compartilhar.

“A vida invisível” não é um filme de meios-termos, nem destinado a ficar datado; ao contrário, a escolha de avançar na época foi mais um acerto, prenunciando a provável continuidade de um quadro adverso.

 

Além disso, é o trabalho mais arrojado de Karim desde a estreia com “Madame Satã” e, ao mesmo tempo, um filme delicado, apesar do tema forte e contundente. E destaca a força do melodrama, que se renova de tempos em tempos, e, mais uma vez, a opção de um diretor que sempre se mostrou contrário a aderir a formatos tradicionais de cinema narrativo.

A Vida Invisível, de Karim Aïnouz (Brasil, 2019). Com Carol Duarte, Julia Stockler, Gregório Duvivier.

Drama. Sinopse: Eurídice é uma jovem talentosa, mas bastante introvertida. Guida é sua irmã mais velha, e o oposto de seu temperamento em relação ao convívio social. As duas acabam sofrendo em suas trajetórias o efeito do machismo sob o qual vivem. Guida decide fugir de casa com o namorado, enquanto Eurídice se esforça para se tornar uma musicista, ao mesmo tempo em que precisa lidar com as responsabilidades da vida adulta e um casamento insatisfatório. 140 min. 16 anos.

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