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Por Rodrigo Fonseca

Inteligência e transcendência num taco temperado com pitadas de ironia e uma atuação de fazer Michael Keaton entrar para a história

Filmes que conseguem reinventar (ou reciclar) a carreira de atores outrora famosos, mas chapados em rótulos, costumam se candidatar, de cara, ao brilho eterno do amor cinéfilo por seu fator surpresa e por seu espírito redentor. Assim sendo, “Birdman ou (A inesperada virtude da ignorância)” teria seu quinhão de aplauso só por soltar o bicho que, há tempos, andava preso na alma de Michael Keaton, pelo menos desde “Jackie Brown”, lá atrás, em 1998. Porém, existe mais do que um ator em estado de graça na produção de 18 milhões de dólares filmada pelo mexicano Alejandro González Iñárritu em Manhattan, NY, fingindo ser um plano-sequência de 119 minutos de dramédia moral. Em um gesto de descarrego das tragédias que fizeram sua fama de “Amores Brutos” (2000) a “Biutiful” (2010), o cineasta cria uma aeróbica de planos sem corte, alinhados por uma batida de pratos de bateria, numa maratona sinestésica, a fim de expressar a ressaca na qual a indústria audiovisual dos EUA se encontra. Repetições de fórmula, confinamento de astros a personalidades icônicas, uma política de continuações e de remakes – tudo isso chocou o chicano que surfou na Nueva Onda latino-americana dos anos 2000, a mesma que revelou “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles; os argentinos “El Bonaerense” e “Nueve reinas” e paulistaníssimo “O invasor”, de Beto Brant.


Diante de uma Babel distinta da sua “Babel” (filme pelo qual ganhou o prêmio de melhor diretor em Cannes em 2006), o cineasta egresso da Cidade do México achou Hollywood uma festa estranha com gente esquisita. E desta impressão tirou o clima desta comédia sobre um ator que, no passado, fez fortuna e fama sob a fantasia do Homem-Pássaro, e, no presente, amarga a indiferença dos colegas. Num empenho para reaver o respeito que perdeu (a começar pelo respeito por si mesmo), Riggan Thomson (Keaton, numa atuação devastadora) tenta fazer uma peça na Broadway, tendo o pão de ló das artes cênicas (mas, ao mesmo tempo, garoto-enxaqueca dos palcos) como seu parceiro de ribalta: Mike (Edward Norton). Mas, com alma fraturada pela perda de prestígio e da autoconfiança, e com o bolso a vazar dólares por conta de uma montagem atribulada, Riggan vira uma espécie de Ubu Rei na patafísica que a cultura das celebridades se tornou: o darling de ontem é o loser de hoje. Bastava uma sequência para que o longa – laureado com Oscars de melhor filme, direção, roteiro original e fotografia – durasse para sempre em nós: o trecho no qual Keaton desfila só de cuecas pela Broadway, remoendo a impotência de ser uma estrela em ocaso. A fotografia de Emmanuel Lubezki enquadra a “Rua Larga” como uma Sodoma e Gomorra do entretenimento. Mas Iñarritu vai além e nos dá uma cena capaz de pôr abaixo a veleidade de uma das espécies mais ferozes da cadeia alimentar das artes: a crítica. O embate entre Riggan e a crítica de teatro nº1 de NY (Lindsay Duncan) revela a hipocrisia de uma classe que, por vezes, dá sinais de miopia, opacizada pela catarata da onipotência. Viva México! Viva Keaton!  

 

Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance) – EUA, 2014 - Direção: Alejandro González Iñárritu – Roteiro: Alejandro González Iñárritu, Alexander Dinelaris, Armando Bo, Nicolás Giacobone – Produção: Alejandro González Iñárritu, Arnon Milchan, James W. Skotchdopole, John Lesher - Fotografia: Emmanuel Lubezki – Montagem: Douglas Crise, Stephen Mirrione – Elenco: Michael Keaton, Edward Norton, Emma Stone, Naomi Watts, Zach Galifianakis – Duração: 119 minutos.    

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