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Blue Jasmine, de Woody Allen (EUA)

Por Nelson Hoineff

Jesus, Marx e um prosaico mercado financeiro

 

Um recente filme de John Turturro, Fading Gigolo, presta uma bela homenagem a Woody Allen. Turturro tem Allen como protagonista, mas a homenagem não consiste nisso, nem na citação de trechos de seus filmes. Ela se concentra na própria maneira de filmar do autor. Há muitos filmes homenageando outros diretores, mas este é muito especial. Turturro busca Allen não a partir de citações do que já foi feito, mas de uma interpretação do que haveria por fazer. Escolhe um universo alleniano por excelência (uma vizinhança de judeus ortodoxos no Brooklin) e filma, plano por plano, como Allen teria filmado.

 

A única pista para se obter isso é o estilo. Identificando o estilo é possível reproduzi-lo. Não é possível chegar a isso em muitos grandes cineastas, mas em Allen essas pistas estão por toda parte. Na maneira de filmar, na construção dos diálogos, na identificação de personagens.

 

Até há alguns anos, esses vetores do estilo incluiriam o universo temático. Há razões para que se acredite que isso não seja mais possível. Esse é um dos enigmas envolvendo o Woody Allen contemporâneo, do qual Blue Jasmine é a mais forte ilustração.

 

Não é muito previsível ver um autor como Woody Allen falando sobre fraudes financeiras. Neste sentido, não é de forma alguma errado sustentar que Fading Gigolo é mais alleniano que Blue Jasmine. Mudar Allen é como mudar a logomarca da Coca-Cola. E, no entanto, num cineasta tão previsível quanto ele, a imprevisibilidade é a mola mestra de transformações sutis que sempre o lançam a outros patamares. Até Manhattan, por exemplo, era voz corrente que Woody Allen podia expressar como ninguém a cultura nova-iorquina, mas simplesmente não sabia filmar. Até o corrente desempenho de Cate Blanchett, não se esperava que ele fosse capaz de extrair tal dramaticidade de uma atriz.  Surpresas assim não dão sinais de se esgotar tão cedo.

 

A presença de Woody Allen numa lista de melhores do ano elaborada por uma associação de críticos é hoje quase obrigatória. O espectador deve ser lembrado, porém, que nem sempre foi assim. O cronista de uma cultura eminentemente nova-iorquina e judaica, com as inquietações, neuroses e angústias daquele nicho de população, fazia parte de um microcosmo quase impenetrável aos demais. Não raro o espectador se perguntava o que ele tinha a ver com isso. Parece estranho agora pensar dessa maneira, mas o fato é que Allen se encarregou de levar à diáspora o seu judaísmo, o seu nova-iorquismo. Bons filmes, como este que o espectador verá agora no CCBB, são bem mais do que bons filmes comuns. Lidam com temas que podem estar em muitos outros filmes, e não têm por trás apenas um bom diretor. Têm um artista capaz de impregnar sua obra de algo que não está aparente, mas está solidamente em seu estilo.

 

Peter Ustinov, que não é judeu, disse certa vez que os judeus foram capazes de legar à humanidade homens extraordinários como Jesus e Marx. E que tiveram a sapiência de não seguir um nem outro. Esse desapego ao seu próprio papel está na essência de Woody Allen. Compõe, como os outros vetores, o seu estilo. E colabora para torná-lo um dos cineastas mais originais e inquietantes de todos os tempos.

 

Blue Jasmine – Estados Unidos, 2012 - Direção: Woody Allen – Roteiro: Woody Allen – Produção: Edward Walson, Letty Aronson, Stephen Tenenbaum - Fotografia: Javier Aguirresarobe – Montagem: Alisa Lepselter – Elenco: Cate Blanchett , Sally Hawkins, Alec Baldwin, Andrew Dice Clay, Bobby Cannavale, Charlie Tahan, Louis C.K., Peter Sarsgaard – Duração: 98 minutos.

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