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Boyhood - Da Infância à Juventude (Boyhood), de Richard Linklater (EUA)

Por Susana Schild

O fluir do tempo de pessoas comuns

 

Boyhood – Da Infância à Juventude, saudado como um dos grandes filmes de 2014 e dos últimos anos, deve boa parte de seu êxito a um ousado paradoxo. Em tempos fortemente acelerados e dominados por urgências de todos os lados, geralmente falsas, Boyhood propõe o oposto: a dilatação do tempo e, através dele, a possibilidade de se deter, parar, observar – sem apelar para situações ou personagens excepcionais. Ao contrário: a essência do filme está justamente na fruição do “aqui e agora” de pessoas como tantas outras, ao longo de 12 anos. Sim, 12 anos. É muito tempo. E o tempo parece ser, até o momento, o tema preferido de Richard Linklater, elogiado pelo domínio do tom intimista e coloquial das interpretações de Julie Delpy e Ethan Hawke na trilogia formada por Antes do Amanhecer (1995), Antes do Pôr do Sol (2004) e Antes da Meia-Noite (2013). Na tela, surgiam as consequências de 18 anos sobre o amor – e seus inevitáveis desdobramentos.

 

No caso de Boyhood, o diretor, nascido em 1960, foi mais arrojado e, provavelmente, otimista. Seu plano: acompanhar uma família texana (como ele) por mais de uma década.  Que outro diretor investiria em um projeto com essa duração sem sucumbir ao temor de que fatos inesperados - de mudança de ideia a morte – acontecessem com ele próprio ou com o elenco?

 

Ao que se sabe, deu tudo certo. E, como Linklater queria demonstrar, foi possível, sim, acompanhar a representação de um núcleo americano padrão – casal divorciado, dois filhos – sob o olhar de Mason (Ellar Coltrane), que brilha pela naturalidade com que transita, dos 7 aos 18 anos, diante das câmeras. À sua volta, gravita a mãe (Patrícia Arquette, excelente), dividida entre a maternidade, aspirações profissionais e parceiros equivocados. E também um pai imaturo, mas sedutor (Ethan Hawke, nota dez), e a irmã menor, Sam (Lorelei Linklater, filha do diretor, atriz cheia de graça).

 

É com calma, mas sem abusar da morosidade, que o diretor registra mudanças na vida de um grupo que simplesmente segue em frente, seja mudando de casa, de escola, de estrutura familiar, ou assimilando perdas (no caso das crianças, de irmãos temporários, por exemplo). Na retaguarda, estão as transformações sociais, culturais e políticas – mas sem carregar nas tintas. Sai George Bush, entra Obama, figurinos mudam, assim como modismos, celebridades e trilha sonora. Sem maiores traumas. Mas o tempo cobra seu pedágio e exige opções.  Aos 15 anos, por exemplo, Mason ganha uma Bíblia e um rifle de aniversário. A opção do rapaz será pela máquina fotográfica. Melhor assim.

 

A ausência de excepcionalidade talvez desaponte os espectadores ávidos por um ingrediente cinematográfico. Mas é justamente o registro de recortes do cotidiano que estabelece a excepcionalidade de Boyhood – de certa maneira, um belo documentário sobre pessoas comuns.

Boyhood – EUA, 2014 - Direção: Richard Linklater – Roteiro: Richard Linklater – Produção: Richard Linklater, Jonathan Sehring, Cathleen Sutherland - Fotografia: Lee Daniel, Shane F. Kelly – Montagem: Sandra Adair – Elenco: Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Ethan Hawke, Lorelei Linklater, Zoe Graham, Nick Krause, Evie Thompson, Chris Doubek – Duração: 166 minutos.

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