Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima), de Clint Eastwood (EUA)
Por Carlos Augusto Brandão
Iwo Jima, uma ilha japonesa do Pacífico, foi palco de uma das mais furiosas batalhas durante a Segunda Guerra. Para os americanos, o objetivo era conquistar a primeira posição estratégica em solo japonês. Para os japoneses, evitar a qualquer preço a entrada dos americanos na ilha. Clint Eastwood - em novo patamar de sua carreira e numa forma inovadora de fazer cinema - utilizou o mesmo episódio para expor dois pontos de vista: o dos americanos em "A Conquista da Honra" e o dos japoneses, neste Cartas de Iwo Jima (Letters from Iwo Jima, 2006).
O primeiro parte de uma imagem, a famosa fotografia de Joe Rosenthal, que mostra seis soldados fincando o mastro da bandeira americana sobre o topo de um monte da ilha. "Um serve como espelho para o outro", disse Eastwood na Berlinale. O segundo filme parte das cartas escritas pelo General Kuribayashi (interpretado pelo grande ator Ken Watanabe) quando era adido militar nos Estados Unidos e posteriormente, já da ilha japonesa, cuja defesa comandava. Nelas, ele expressa toda a preocupação que tinha com a família, sobretudo com seus filhos. Os japoneses sabiam que não havia volta para sua terra e suas famílias, porque pararam de receber suprimentos - inclusive munição - e disso foram avisados. Dos 22 mil defensores da ilha, 21 mil morreram e mil sobreviveram.
Mas o foco principal no filme não é o episódio em si: é sobre a brutalidade e a irracionalidade da guerra, que iguala todos os lados no desperdício de vidas humanas; é sobre o sentimento deformado do que realmente representa a honra e o patriotismo; é sobre como, afinal, somos todos semelhantes, parte desta grande tribo humana, para o melhor ou para o pior.
Outro ponto é o debate que o filme permite sobre o que é realmente um herói. Em ambos os filmes o herói de Eastwood é humanizado, fragilizado e bem distante daquela imagem do super-homem incensado com honras militares. No fundo, ele é mais uma vítima da propaganda da guerra. "Herói é aquele que sobrevive", define Eastwood. O diretor realizou um filme extremamente humanista, com imagens esmaecidas, numa nítida preocupação de evitar os tons que exaltam as cores da glória e da vitória.
Cartas de Iwo Jima, bem como "A Conquista da Honra", representam mais um ponto alto da carreira de Eastwood. Poucos cineastas de Hollywood poderiam, como ele - um ícone do homo norteamericanus - ter a coragem de realizar um filme como este sem ser, no mínimo, acusado de "dar voz ao inimigo". Eastwood não parece nem estar aí para esses riscos: "o que vão fazer comigo nesta altura da minha vida?", disse em Berlim o quase octogenário ator/diretor. "Eu agora sou um diretor japonês", finalizou, com o seu conhecido sorriso de canto de boca.