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Céu de Suely, O de Karim Ainouz (Brasil)

Por Leonardo Luiz Ferreira

A Lapa carioca e a Iguatu cearense são lugares opostos e, respectivamente, ambientam os dois longas, "Madame Satã" e O Céu de Suely (2006), de Karim Aïnouz. Mais do que a localização, o que importa em seu cinema são os personagens, que sofrem com o preconceito por suas escolhas de vida e estão sempre em conflito não só com o meio em que habitam como com si mesmos. A duplicidade da imagem refletida no espelho caracteriza esse questionamento ao ilustrar as duas faces de Madame Satã/João Francisco e de Hermila/Suely em uma composição que reitera a dualidade entre amor e ódio com relação a identidade difusa.

Hermila é movida pela paixão que aos poucos fenece e se transforma em angústia. Este sentimento a impulsiona a cometer um ato drástico: rifar o próprio corpo. Estas são as linhas gerais de O Céu de Suely; um filme que promove uma jornada íntima de uma mulher que não encontra mais saída para sua condição quando o marido a abandona com um filho à própria sorte. 

Para registrar esse percurso decisivo, como um rito de passagem, o diretor Karim - em simbiose, novamente, com o fotógrafo Walter Carvalho - captura com delicadeza gestos e pequenos movimentos como quando a moça apanha um prendedor de cabelo no chão e o passeio do sabonete por seu corpo. E dessa sutileza se extrai o intimismo e a compreensão da personagem. Aliado a essa meticulosa elaboração imagética com decupagem precisa, tanto os atores profissionais quanto amadores se revelam em frente à câmera em momentos de rara beleza cinematográfica e força dramática, entre eles a discussão de Hermila com sua avó, que desconcertam o olhar. 

A suavidade da trilha incidental acaba por explodir, em um breve instante, numa batida eletrônica e a mesma sensação transpassa Hermila, que está sempre à beira de extravasar sua emoção à flor da pele, mas só poucas lágrimas são vertidas. Essa construção demonstra o amadurecimento do cineasta em sua contenção emocional que promove uma experiência sensorial no espectador. Ao eliminar todo e qualquer excesso permanece apenas o essencial, que nasce de um processo exaustivo entre o set de filmagem e a sala de montagem. 

No último plano ao optar por seguir viagem a personagem reafirma que seu céu não está mais ali e pode ser também que ela jamais o encontre onde quer que esteja, pois viver é rumar sempre em direção a incerteza.

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