Um Conto Chinês (Um cuento chino) de Sebastián Borensztein (Argentina/Espanha)
Por Roni Figueiras
ssencialmente urbana, contemporânea, humanista e dramática. Assim se pode avaliar a base do cinema argentino, um dos mais representativos e prolíferos do continente, com um vigor criativo que contrasta com seu turbulento cenário político-econômico, instalado desde 2001. Em 2012, a distribuição de títulos argentinos no país foi desalentadora. No entanto, o que chegou aqui ratifica a maturidade estética e artística e o excelente nível técnico dos hermanos.
Sebastián Borensztein, 48 anos, é considerado um dos melhores realizadores argentinos da década. Tem só três longas no currículo e uma extensa e premiada ficha corrida em TV e publicidade, sobretudo na comédia, o que o capacitou para voos mais altos na tela grande.
Com seu terceiro longa, "Um conto chinês", o primeiro a estrear por aqui, o público brasileiro começa a se familiarizar com seu estilo. Trata-se de uma comédia refinada, um tanto melancólica, típica da alma saudosista de nossos vizinhos. Traço de humor que provavelmente foi cultivado em casa. O pai do diretor, Tato Bores, é um cultuado comediante portenho.
Borenstein faz cinema argentino e, ao mesmo tempo, universal ao tocar em temas atemporais: a solidariedade, o amor, o absurdo, a esperança. O amor em "Um conto chinês" é a pulsão transformadora, que muitas vezes nos cai sobre a cabeça, sem aviso. Aqui ele também trata da força de um acontecimento. Um bom encontro, assim definido pelo filósofo Baruch Spinoza, aquele capaz de nos potencializar.
O ator fetiche argentino Ricardo Darín é Roberto, um comerciante de meia-idade, vítima de perdas e da guerra, que o tornaram um misantropo. Sintoma de seu medo e tentativa de se proteger do absurdo da existência - cujo significado, diz ele, é nenhum -, mantém uma rotina espartana e coleciona bibelôs - uma forma de cultuar a memória da mãe, que não conheceu - e notícias de jornal fait divers, que contam casos incríveis.
O plot que marca a virada do engenhoso roteiro consiste em dois bons encontros de Roberto: um com o imigrante chinês Jun (Huan Sheng Huang), que não fala espanhol; e o reencontro com a interiorana Mari (Muriel Santa Ana). Os dois abrem uma linha de fuga para nosso herói triste escapar de uma vida que segue em suspenso.
Borensztein embala suas criaturas com generosidade de pai. E tece a cadeia de acontecimentos entre o naturalismo e o fantástico, num equilíbrio que ratifica suas intenções e ilustra o espírito dos personagens: ora transbordante de amor, ora de contida angústia e ora de solidão. Na tessitura de "Um conto chinês" nada é gratuito, nada sobra. Sebastián Borensztein bateu à nossa porta como visita. Que fique o tempo que quiser.
Um cuento chino - Argentina/Espanha, 2011 - Direção: Sebastián Borensztein - Roteiro: Sebastián Borensztein - Produção: Pablo Bossi, Juan Pablo Buscarini, Gerardo Herrero, Axel Kuschevatzky, Ben Odell - Fotografia: Rolo Pulpeiro - Montagem: Pablo Barbieri Carrera e Fernando Pardo - Música: Lucio Godoy - Elenco: Ricardo Darín, Muriel Santa Ana, Ignácio Huang, Ivan Romanelli - Duração: 93 minutos