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Café Society, de Woody Allen (EUA)

Por Susana Schild

A vida como ela não é

Um reencontro com um velho amigo. Você já conhece o jeito, as histórias, as manias, as fraquezas e sabe que, de vez em quando, pequenas tiradas de um grande mestre compensam uma eventual mesmice. Assim pode ser visto cada novo (novo?) filme de Woody Allen. A partir dos créditos iniciais – sempre o mesmo tipo de letras embaladas por um jazz suave - seus fãs embarcam na zona de conforto proporcionada por cineasta extremamente fiel a si mesmo, aos seus temas (a traição entre casais, por exemplo) e à finíssima alquimia de provocar envolvimento, reflexão, risos e prazer.

 

Em “Café Society” essas marcas estão presentes – ressaltadas pela qualidade do elenco, excelência e ritmo dos diálogos, apuro visual (desta vez sob a luz do fotógrafo italiano Vittorio Storaro) e uma trilha musical que justificaria “assistir“ aos filmes de olhos fechados. No cardápio, pequenas joias como “I only have eyes for you”, “My melancholy baby”, “You oughta be in pictures”, entre outras.

 

Como cenário, os turbulentos anos 30 e, como personagem principal, um jovem nova-iorquino (Jesse Eisenberg, ótimo alter ego do diretor) de um lar tipicamente judeu que tentará a vida em Los Angeles sob proteção de um tio poderoso em Hollywood (Steve Carell, em sua melhor atuação). Para sorte (ou azar) dos dois, o mandachuva tem uma assistente que é uma graça (honrada por Kristen Stewart).

 

Com narração de Woody Allen, onisciente e onipresente, “Café Society” pode ser visto como um agridoce rito de passagem em ambiente que combina glamour com a despudorada exposição da pesada artilharia que gira em torno do “sucesso”. O verdadeiro happy end dos filmes não seria o beijo entre mocinho e mocinha, mas o tilintar da bilheteria, custe o que custar para os envolvidos. Alguns não se incomodam de pagar o preço – mesmo que sacrifique alguns sonhos.

 

Nessa trilha, o ingênuo Bobby discutirá relação com uma aprendiz de prostituta, conhecerá e garota de seus sonhos (e a perderá), escolherá NY para viver o resto da vida. E descobrirá que cinema é cinema, sonhos são sonhos e que a vida segue caminhos inesperados (um outro tio, ligado à Máfia, entra em cena e muda o destino do rapaz, não necessariamente para pior).

 

“Café Society” também pode ser visto como uma antologia pessoal. Estão presentes referências a “Noivo neurótico, noiva nervosa”, “Manhattan”, “A era do rádio”, “Tiros na Broadway” entre outros. O cinema continua como forte ingrediente dos sonhos transformados em realidade de Woody Allen e seus múltiplos desdobramentos em personas que, ao longo de mais de 40 filmes, podem mudar de nome ou perfil, mas padecem de um mesmo mal: a dificuldade de viver “apenas” a vida como ela é.

 

O tempo passa, homens maduros continuam a se apaixonar por garotas, humanos próximos da morte negociam uma esticada no além, e a vida continua sem respostas, o que já pode ser uma resposta, segundo um deles.

 

Tudo muda e cada vez mais rápido – só Woody Allen continua o mesmo. Ótima notícia para seus seguidores.

 

Crítica publicada originalmente em O Globo.

Café Society (Cafe Society) - (EUA, 2016), de Woody Allen. Com Jesse Eisenberg, Kristen Stewart, Steve Carell, Blake Lively. Comédia Dramática. Sinopse: Anos 1930. Bobby (Jesse Eisenberg) é um jovem aspirante a escritor, que resolve se mudar de Nova York para Los Angeles. Lá ele deseja ingressar na indústria cinematográfica com a ajuda de seu tio Phil (Steve Carell), um produtor que conhece a elite da sétima arte. Após um bom período de espera, Bobby consegue o emprego de entregador de mensagens dentro da empresa de Phil. Enquanto aguarda uma oportunidade melhor, ele se envolve com Vonnie (Kristen Stewart), a secretária particular de seu tio. Só que ela, por mais que goste de Bobby, mantém um relacionamento secreto. 96 min. 12 anos.

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