Blade Runner 2049
Por Marcelo Janot
Um filme sobretudo para adultos
Diferentemente de franquias como “Star Wars”, que sobrevivem com novos filmes moldados calculadamente para satisfazer a legião de fãs de diferentes gerações, “Blade Runner 2049” não faz muitas concessões aos cultuadores do filme dirigido por Ridley Scott (que no novo é apenas produtor) 35 anos atrás. As aparições de Harrison Ford e Sean Young não são mero fetiche nostálgico, mas enriquecem a trama em momentos cruciais. Como se trata de uma continuação ambientada na mesma Los Angeles pós-apocalíptica, só que 30 anos depois (o outro se passava em 2019), o que vemos é um prolongamento de certas questões colocadas pelo primeiro (vale lembrar que o corroteirista Hampton Fancher é o mesmo do original).
Há referencias explícitas que permitem novas associações: a solidão do mundo contemporâneo suprida pela companhia amorosa de um sistema operacional em “Ela” (2013), de Spike Jonze, é reatualizada com uma substituta à altura da voz de Scarlet Johansson: o sistema operacional Joi, encarnado na forma de holograma pela belíssima atriz cubana Ana de Armas.
O personagem de Ryan Gosling, batizado como (Joe) K e envolto em um pesadelo kafkiano, é outra alusão clara, desta vez a Josef K, o protagonista de “O Processo”, de Kafka. O agente K de “Blade Runner 2049”, embora esteja a serviço da lei, também é prisioneiro num mundo distópico e rigidamente controlado, como antecipou outro cult movie, a obra-prima visionária de George Lucas “THX 1138” (1971). As cenas de interrogatório, em que ele fica repetindo as palavras, lembram muito o que se sucede com Robert Duvall na branquidão asséptica do filme de Lucas.
O filme também não cede às pressões comerciais para agradar a jovens plateias acostumadas a blockbusters em que a ação incessante deixa pouco espaço para pausas e reflexões. “Blade Runner 2049” é um filme sobretudo para adultos. Os diálogos não são redundantes nem explicativos demais (embora o vilão vivido por Jared Leto seja um tanto caricatural) e as cenas de ação quase sempre desembocam na discussão filosófico-existencial que vem desde o primeiro filme. A direção de Dennis Villeneuve nos faz adentrar, com a devida calma, um universo que ganha contornos fascinantes com a fotografia magistral de Roger Deakins. Ele consegue captar todas as nuances do desenho de produção de Dennis Gassner e da direção de arte de David Doran, Bence Ederlyi e Lydia Fry.
Só ficou mesmo faltando a trilha sonora de Vangelis, um dos motivos para que o “Blade Runner” original tenha sobrevivido tanto tempo no imaginário coletivo. Não que Hans Zimmer e Benjamin Wallfisch tenham feito um mau trabalho, longe disso. Fica claro como eles respeitam e tentam reproduzir a atmosfera do score original, até com uma breve citação perto do fim. Mas a ausência da música de Vangelis é um golpe mortal na memória afetiva de muita gente. Quem sabe não a utilizam no próximo filme, pois já ficou claro que o final em aberto foi para sinalizar que teremos um novo episódio em breve.
Blade Runner 2049 (Blade Runner 2049, 2017). Direção: Denis Villeneuve. Elenco: Ryan Gosling, Harrison Ford, Jared Leto. Drama, mistério, ficção científica. Sinopse: Sequência do clássico de Ridley Scott, mostra o policial K investigando o parto de uma replicante e a localização da criança, o que o coloca no encalço de Rick Deckard, o único que pode lhe ajudar a desvendar o mistério acerca da criança, vista como um milagre por replicantes e como ameaça pelas autoridades. 164 minutos. 14 anos.