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A Bruxa (The Witch), de Robert Eggers (EUA / Reino Unido / Canadá / Brasil)

Por Mario Abbade

Quando as “bruxas” se vingam

Muitas vezes confundido com simples diversão escapista, o cinema de gênero vem proporcionando ao longo de mais de um século interessantes debates, justamente por tratar de temas essenciais que surgem disfarçados em filmes de ação, drama, faroeste, suspense, terror, comédia, ficção científica, guerra, musical, policial e aventura, entre outros. “A bruxa” é mais um bom exemplo que utiliza as características do terror para propor uma reflexão sobre o papel da mulher na sociedade. O diretor estreante Robert Eggers faz um estudo antropológico da origem do mal perpetuado contra as mulheres acusadas de bruxaria por elas simplesmente terem tido um comportamento transgressor numa sociedade extremamente conservadora – no caso, a Nova Inglaterra a partir de 1600.

 

A trama apresenta William (Ralph Ineson) e Katherine (Kate Dickie), que se prepara para dar à luz um quinto filho, quando resolvem adentrar um campo à beira de uma floresta sombria após entrarem em confronto com os líderes religiosos de sua comunidade, por achar que seu assentamento não era devoto o suficiente de Deus. William constrói sua fazenda nesse local isolado junto com sua família: a filha adolescente Thomasin (Anya Taylor-Joy), que ajuda a cuidar de seu irmão pré-adolescente Caleb (Harvey Scrimshaw) e dos irmãos gêmeos hiperativos (Ellie Grainger e Lucas Dawson). Quando o bebê recém-nascido some enquanto Thomasin estava vigiando, a família começa a desmoronar. Nesse momento surgem fraquezas humanas que lembram a obra de Ingmar Bergman, principalmente o conceito do Deus que se mantém oculto e em silêncio, mesmo quando os fiéis o buscam desesperadamente. Mas a pegada aqui está mais para Carl Dreyer, com a essência indefinível do sofrimento humano em filmes como “A paixão de Joana d'Arc” e “Dia da ira”, temperado com “Os demônios”, de Ken Russell.

 

O roteiro de Robert Eggers situa a história no estado de Massachusetts, aproximadamente 60 anos antes do julgamento das Bruxas de Salem. Eggers traça um rico painel sobre as consequências das práticas fundamentalistas religiosas e aborda também como o fanatismo pode destruir a unidade familiar. Conforme a narrativa avança, os personagens vão se voltando uns contra os outros, criando uma aura de ambivalência sobre o que poderia estar realmente acontecendo, na qual o divino e o diabólico são separados por uma linha tênue. A música e os enquadramentos em scope contribuem tecnicamente para essa sensação, ao mesmo tempo em que colocam a família num ambiente opressor. A cada nova sequência, Eggers vai ampliando a forma de capturar os personagens, que provoca uma sensação de claustrofobia e paranoia. Sai o atual formato da cena susto que vem pontuando os filmes de terror, entra uma atmosfera decrépita e sufocante que resulta na histeria coletiva.

 

Eggers estruturou o roteiro baseado em lendas, contos históricos e relatos sobre bruxarias, incluindo diários e documentos judiciais de mulheres que foram queimadas por práticas pagãs. Se, na obra de “The crucible” (uma alusão ao macartismo), de Arthur Miller, a intenção era mostrar como o extremismo sempre foi causa de injustiças ao torturar e executar mulheres acusadas de bruxaria, Eggers faz aqui uma espécie de vingança de todo mal que foi causado a essas inocentes, ao abraçar propositalmente o sobrenatural. Por meio de um arcabouço de conto de fadas macabro, o filme faz uma ilustração do despertar e da repressão sexual, e de como algo tão natural foi motivo de perseguição e selvageria. “A bruxa” é um projeto claramente feminista e um acerto de contas com tudo que as mulheres sofreram e ainda sofrem numa sociedade patriarcal. E, pela onda de conservadorismo que vem assolando o mundo, percebe-se que as coisas não estão muito diferentes.

A Bruxa (The Witch) - (EUA, 2015), de Robert Eggers. Com Anya Taylor-Joy, Ellie Grainger, Harvey Scrimshaw, Kate Dickie, Lucas Dawson, Ralph Ineson.

Terror. Nova Inglaterra, década de 1630. O casal William e Katherine leva uma vida cristã com suas cinco crianças em uma comunidade extremamente religiosa, até serem expulsos do local por sua fé diferente daquela permitida pelas autoridades. A família passa a morar num local isolado, à beira do bosque, sofrendo com a escassez de comida. Um dia, o bebê recém-nascido desaparece. Teria sido devorado por um lobo? Sequestrado por uma bruxa? Enquanto buscam respostas à pergunta, cada membro da família seus piores medos e seu lado mais condenável. 93 min. 16 anos.

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