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Corra!

Por Ana Rodrigues

Quando o fantasma do racismo é materializado

Atribuir o conceito de raça a humanos é uma forma de separar indivíduos, que, ao contrário dos animais, pensam. Todos nós somos diferentes, mas iguais na humanidade. Classificar e excluir são práticas dos grupos que acreditam em uma supremacia branca. Charlottesville, na Virginia, em agosto de 2017, exibiu a mais lamentável página da história americana recente.

 

“Corra!” (“Get out”, no original), escrito e dirigido por Jordan Peele, é o “Adivinhe quem vem para jantar” do nosso tempo. No filme de 1967, de Stanley Kramer, os pais de uma jovem branca ficam chocados quando descobrem que sua filha está noiva de um rapaz negro. Na época, o mundo estava em transformação cultural e social. Os pais temiam o que o casal poderia enfrentar ou sentiam a inconveniência de alguém “diferente do padrão” na família?

 

Na primeira cena do filme de Peele, um jovem negro caminha preocupado por uma típica rua da sociedade branca americana. Ele teme ser tratado como um suspeito ou ser alvo de alguma abordagem racista. Um carro começa a segui-lo, e podemos ouvir no som do veículo a música “Run rabbit run”, da dupla Flanagan and Allen. Na letra: “corra coelho, corra coelho, bang, bang, bang, bang vai a arma do fazendeiro, corra coelho, corra, corra”. A canção parece inocente, mas é puro sadismo. O rapaz negro é dominado e colocado na mala do carro.

 

Em seguida conhecemos outro personagem, o fotógrafo Chris Washington. Ele está preocupado com o encontro de fim de semana que terá com os pais da namorada branca. Rose Armitage garante ao amado Chris que não há o que temer. Neste “adivinhe quem vem...” o jovem será apresentado a uma família americana que proclama liberalismo, mas preserva uma empregada e um jardineiro negros e de comportamento autômato.

 

O sensível olhar do fotógrafo Chris captura uma sociedade montada para “aceitar” uma pessoa de diferente etnia. A família e, logo depois, o grupo social ao qual ela pertence, querem moldar o indivíduo para que ele possa desempenhar um papel. Tal qual o nazismo que executava experiências físicas e psiquiátricas estúpidas como tentar clarear a cor dos olhos ou criar super-homens, no filme há uma ação de supremacistas tentando criar dominados. Uma versão atualizada de escravidão, no início sutil e depois evidente.

 

Num momento simbólico, um cervo é sacrificado, e um personagem define a situação: “um já foi, faltam milhares”. O cervo livre na floresta passa a ser um objeto morto na parede.

 

Jordan Peele, em sua estreia na direção, é o maestro de um suspense que conta com um elenco afinado com destaque para Bradley Whitford e Catherine Keener, como o casal Armitage; Alisson Williams, como Rose; LilRel Howery, como Rod, amigo de Chris e alívio cômico; Betty Gabriel, impressionante como a empregada Georgina; e o britânico Daniel Kaluuya, na jornada complexa de Chris, um homem consciente e talentoso, que terá que resistir ao ser introduzido num buraco de esquecimento da sua identidade.

Corra! (Get Out, 2017). Direção: Jordan Peele. Elenco: Daniel Kaluuya, Allison Williams, Catherine Keener.

Terror, mistério, suspense. Sinopse: O jovem Chris aceita passar uns dias na casa dos pais de sua namorada, apesar do medo de sofrer algum tipo de preconceito por causa da cor de sua pele, negra. Inicialmente amorosa, a família abastada e branca começa a apresentar um comportamento estranho, principalmente após uma festa com parentes e amigos. 104 minutos. 14 anos.

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