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Eu não sou seu negro

Por Daniel Schenker

A história é o presente

Nos letreiros iniciais de “Eu não sou seu negro”, o cineasta haitiano Raoul Peck assume um objetivo abrangente: falar sobre o violentíssimo preconceito sofrido pelos negros nos Estados Unidos por meio das trajetórias de três líderes assassinados nos anos 60 (Medgar Evers, Martin Luther King e Malcolm X). Peck, porém, não se limita a uma abordagem histórica. Parte de um olhar bastante pessoal – o do norte-americano James Baldwin, que, em 1979, tentou escrever um livro centrado nas mortes desses ativistas não “só” politicamente determinantes como afetivamente próximos. Nunca concluído, o texto, que recebeu o título de “Remember this house”, atravessa esse documentário na onipresente narração em off do ator Samuel L. Jackson.

 

Peck destaca, portanto, a voz de Baldwin, que relata sua volta aos Estados Unidos (vivia radicado na França) aos 55 anos. Durante todo o tempo em que permaneceu fora de seu país, ele garante não ter sentido falta dos ícones americanos (waffles, hot dogs, beisebol, Empire State, Coney Island, Estátua da Liberdade, Times Square) e sim de seus vínculos particulares (família, domingos no Harlem, frango frito). Em relação ao momento do retorno, Baldwin diz: “Embora fosse um estranho, agora eu estava em casa”.

 

Ao evocar Baldwin – por meio da leitura de seu texto, além de cartas, fotos e entrevistas concedidas em programas de televisão –, Peck frisa questões importantes, como o choque do jovem negro no instante em que se vê discriminado num mundo comandado pelos brancos. A coragem de enfrentar de maneira contundente a segregação é simbolizada por Dorothy Counts, negra que ingressou num colégio de brancos. A importância e a contundência do resultado garantiram ao filme uma indicação ao Oscar na categoria documentário, que teve, como vencedor, “O.J.: Made in America” (2016), de Ezra Edelman.

 

Peck também questiona produções cinematográficas que reforçam preconceitos, a exemplo dos faroestes protagonizados por John Wayne. Em contrapartida, o emblemático Malcolm X já teve o seu percurso adaptado para a tela por Spike Lee (em 1992), e Luther King foi lembrado em “Selma” (2014), de Ava DuVernay (diretora de “A 13ª emenda”, de 2016, que concorreu ao Oscar com “Eu não sou seu negro”) – e, no teatro, na peça “O topo da montanha”, de Katori Hall, que tensiona, contudo, o registro realista.

 

Nesse documentário, a intenção não é “tão somente” mostrar o que aconteceu, mas expor a perpetuação da exclusão numa sociedade marcada por evidências de enlouquecimento, a julgar por massacres – o de Columbine inspirou “Elefante” (2003), de Gus Van Sant, um dos filmes incluídos por Peck, e “Tiros em Columbine” (2002), de Michael Moore. “A história não é o passado. É o presente. Nós carregamos a nossa história conosco. Nós somos a nossa história”, afirma Baldwin.

Eu Não Sou Seu Negro (I Am Not Your Negro, 2016). Direção: Raoul Peck. Com: James Baldwin, Harry Belafonte, Sidney Poitier. Documentário. Sinopse: Narrado por Samuel L. Jackson, o filme leva para a tela grande o manuscrito de “Remember This House”, do escritor James Baldwin, que relata as humilhações sofridas por negros nos Estados Unidos, onde muitos foram transformados em vítimas fatais, com destaque para os assassinatos de líderes como Medgar Evers, Malcolm X e Martin Luther King Junior. 93 minutos. 12 anos.

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