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Anomalisa, de Duke Johnson e Charlie Kaufman (EUA)

Por Daniel Schenker

Singularidade num mundo impessoal

Na abertura e no encerramento de “Anomalisa”, vozes se sobrepõem impossibilitando que o espectador perceba o que está sendo dito. Nessa animação, os diretores Charlie Kaufman e Duke Johnson apresentam um mundo marcado pela falta de identidade, acentuada pelo fato de os personagens serem dublados pelo mesmo ator, Tom Noonan, com exceção dos protagonistas – Michael, escritor convidado a realizar uma palestra, e Lisa, atendente de telemarketing, que ganham as vozes de David Thewlis e Jennifer Jason Leigh, respectivamente.

 

A determinação em fazer com que a maior parte dos personagens tenha a voz de um único ator evidencia padronização e sugere sexualidade ambígua. Afinal, as personagens femininas – como Emily, amiga de Lisa, e Bella, ex-namorada de Michael – surgem com voz masculina. O sexo é elemento destacado ao longo de “Anomalisa”, a exemplo da sequência entre Michael e Lisa, da evocação da relação dele com Bella e da imagem do homem se masturbando numa sala do prédio localizado em frente ao hotel onde Michael se hospeda.

 

Acostumado a transitar pelos lugares com apatia, Michael fica atraído pela voz específica de Lisa. “É como se fosse mágica”, exclama. Desglamourizada, com baixa autoestima, Lisa desponta, aos olhos de Michael, como portadora de impressão digital em meio a uma crescente despersonalização geral. “Você é a única outra pessoa no mundo”, afirma, em certo momento, para ela. Lisa se vê como uma anomalia, desconectada dos demais. “Antes de conhecer a palavra eu me sentia mal por ser diferente. Agora gosto um pouco porque me faz sentir especial”, observa.

 

Michael e, principalmente, Lisa se revelam através de suas vozes. As cartas e os diários também carregam singularidades, na medida em que são os veículos por meio dos quais os personagens expressam as próprias intimidades. Em contrapartida, os relacionamentos frios, distanciados, e a lógica impessoal do consumo imperam. Numa rápida conversa por telefone, o filho de Michael logo pergunta qual o presente que o pai comprará para ele. O taxista que leva Michael do aeroporto ao hotel diz que ele não pode ir embora de Cincinnati sem provar o chilli – e, não por acaso, ao chegar ao quarto encontra justamente uma propaganda de chilli.

 

Os cineastas radiografam uma parte dos Estados Unidos (além da mencionada Cincinnati, outra cidade de Ohio, Akron, onde vivem Lisa e Emily, e Los Angeles, onde mora Michael). O registro realista se impõe na primeira metade da projeção, a julgar pelo modo como a cidade, os ambientes e os corpos são mostrados. Mas Kaufman (responsável ainda pelo roteiro) e Johnson problematizam essa vertente, seja por meio das passagens de pesadelo, seja através dos traços propositadamente realçados dos rostos dos bonecos, que, em dados instantes, se despedaçam. Baseada em peça de teatro, essa animação concorreu ao Oscar na categoria (vencida por “Divertida Mente”) e saiu do Festival de Veneza com o Grande Prêmio do Júri.

Anomalisa - (EUA, 2015), de Charlie Kaufman. Com David Thewlis, Jennifer Jason Leigh, Tom Noonan.

Animação. Sinopse: Michael Stone (voz de David Thewis) é um palestrante motivacional que acaba de chegar à cidade de Connecticut. Ele segue do aeroporto direto para o hotel, onde entra em contato com um antigo caso para que possam se reencontrar. A iniciativa não dá certo, mas Michael logo se insinua para duas jovens que foram ao local justamente para ver a palestra que ele dará no dia seguinte. É quando ele conhece Lisa (voz de Jennifer Jason Leigh), por quem se apaixona. 91 min. 14 anos.

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