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Homenagem ao ator Nelson Xavier com o filme “Comeback: Um matador nunca se aposenta”

Por Filippo Pitanga

Eterno retorno

Não há uma parte do audiovisual brasileiro, desde o Cinema Novo aos tempos atuais, que não tenha sido tocada direta ou indiretamente por Nelson Xavier. Podemos enxergar em todos estes espaços a mão do grande artista, um ator de corporalidade e gestual extremamente criativos, ao mesmo tempo em que aquilo que suas mãos construíram ou realizaram transcendeu o mundo material e alcançou o imaginário coletivo.

 

Nelson foi um militar arrependido de seguir ordens com as quais não concordava em pleno cenário que levaria à Ditadura no clássico “Os fuzis” de Ruy Guerra. Foi também um vendedor de caixões em “A falecida” de Leon Hirszman. Foi o melhor amigo de um fantasma em “Dona Flor e seus dois maridos” de Bruno Barreto. E um proletariado defendendo sua classe no filme que codirigiu com Ruy Guerra, “A queda”. Foi um sindicalista que pune fura-greves em “Eles não usam black-tie” também de Leon Hirszman. E até encarnou o maior espírita brasileiro em “Chico Xavier” de Daniel Filho.

 

Pois a relação entre o que as mãos constroem e o imaginário advindo desta construção é exatamente o que vem a ser seu último longa-metragem lançado em circuito comercial: “Comeback: Um matador nunca se aposenta”, sobre um ex-matador de aluguel que vive da fama de outrora em relação ao recorde de vidas que teria tirado, mesmo que este fato possa ou não corresponder à realidade – com uma leve inspiração em “O homem que matou o facínora” de John Ford. Escrito e dirigido pela revelação Erico Rassi, que ganhou os prêmios de melhor filme e direção no Festin – Portuguese Film Festival 2017, o filme, que também faturou a láurea de melhor ator para Nelson Xavier no Festival do Rio 2016, é um faroeste contemporâneo construído sobre a desconstrução do mito e o renascimento na terceira idade, tema ainda pouco tratado até hoje nos cinemas.

 

Por meio de excelentes referências de gênero e uma tessitura musical que dita o réquiem do pistoleiro, composição dos irmãos Guilherme e Gustavo Garbato, o cineasta Erico Rassi empodera a velhice em cenas cruas, quase documentais. A direção de arte de Carol Tanajura e a fotografia de André Carvalheira brincam de pintar sombras como em quadros de Caravaggio ou Goya, gerando excelentes contrastes que iluminam apenas silhuetas entre batentes de porta e varandas empoeiradas. Carros que levantam terra como cavalos na linha do horizonte de ruas não pavimentadas, subindo as ladeiras para além do horizonte moral da cidade, mostram que os duelos ao pôr do sol ocorrerão na construção de símbolos acima do estabelecido pela sociedade.

 

Em vez de desacelerar com a idade, Nelson Xavier se agigantou, como se necessitasse ganhar o prêmio de revelação a cada década. Sua arte transcende e cura, tornando-o imortal. E, enfim, o derradeiro legado nesta década extremamente prolífica de sua carreira ironicamente fala do retorno triunfal de alguém que nunca foi, mas que regressa agora da despedida do mundo material para ficar eterno na lembrança de todos.

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