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Infiltrado na Klan

Por Gilberto Silva Jr.

Humor e denúncia

Imaginem isoladamente a seguinte cena: início dos anos 70; um rapaz negro com cabelo estilo black power faz uma ligação telefônica e diz “Alô, é da Ku Klux Klan? Eu queria me filiar.”, disparando em seguida toda uma série de impropérios negativos às consideradas minorias, em especial a seu próprio grupo étnico. Pois bem, tal cena poderia fazer parte de uma comédia de humor nonsense, na linha “Apertem os cintos, o piloto sumiu”, ou mesmo de um esquete do grupo Monty Python, tamanho o despropósito da situação. No entanto, estamos diante da sequência-chave que detona a ação de um dos filmes de denúncia social e política mais contundentes dos últimos tempos.

 

Historicamente, diversos pensadores, como Henri Bergson, associam o humor a uma das formas mais relevantes de apontar e criticar toda série de questões ao promover uma desconstrução por meio do riso. A questão principal é que, neste seu mais recente filme, Spike Lee se apropria de elementos de comédia, que em todos os momentos chamam a atenção do espectador para o absurdo das situações vividas pela dupla de jovens policiais Ron Stallworth, negro (John David Washington), e Flip Zimmerman, judeu (Adam Driver), em sua improvável inserção na organização segregacionista. Considerando que a história contada parte de um acontecimento real, Lee sai dos elementos de um humor aparente para ressaltar toda a dramaticidade de seus temas, remetendo sempre à contemporaneidade, uma vez que as questões tratadas estão, lamentavelmente, mostrando facetas cada vez mais assustadoras em nossos dias.

 

É certo que usar situações do passado para tratar do presente não é nenhuma invenção da roda. Entretanto, em “Infiltrado na Klan”, Lee consegue manipular seus elementos, que agregam comédia, filme policial e cinema político, com um equilíbrio incontestável que deixa o filme distante de provocar qualquer sensação de indiferença. A obra se mostra acima de tudo como uma peça de cinema, arte à qual o roteiro faz constantes referências, desde as primeiras imagens, usando o clássico “... E o vento levou” e reconstruindo debochadamente a produção de um filme de propaganda segregacionista, passando por discussões sobre o cinema blaxploitation dos anos 1970 e desaguando no fascismo inerente ao seminal “O nascimento de uma nação” de D. W. Griffith.

 

Muitas vezes foi dito, desde sua consagração em 1989 com a obra-prima “Faça a coisa certa”, que Spike Lee é um cineasta que prioriza a tese que quer defender em detrimento da narrativa cinematográfica. Tal fato pode até se confirmar numa leitura superficial de seus filmes. Estamos, porém, diante de um cineasta que sempre trabalha em múltiplas camadas na concepção de suas obras, que requerem revisões atentas. Só assim se confirma o quanto Lee é um cineasta de amplo domínio de recursos na encenação e construção cinematográficas, domínio que está presente mesmo em seus filmes não muito bem-sucedidos. “Infiltrado na Klan” é um belo e maduro exemplo do brilho de um realizador que, ao menos na última década, vinha ocupando uma posição menos que periférica na indústria cinematográfica americana. Com o presente filme, temos um retorno de Spike Lee ao patamar de destaque que lhe é devido.

Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman), de Spike Lee (EUA, 2018). Com John David Washington, Adam Driver, Laura Harrier.

 

Biografia/Crime/Drama. Sinopse: Em 1978, Ron Stallworth, um policial negro do Colorado, conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan local. Ele se comunicava com os outros membros do grupo por meio de telefonemas e cartas e, quando precisava estar fisicamente presente, enviava outro policial, branco, em seu lugar. Depois de meses de investigação, Ron ganhou importância na seita, sendo responsável por conseguir impedir crimes de ódio. 135 minutos. 14 anos.

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