O cenário cinematográfico de 2017
Por Lucas Salgado
A vida política, econômica e social brasileira passou por momentos conturbados nos últimos anos, mas não estava afetando o cenário cultural, especialmente o cinematográfico. Em 2016, o faturamento acumulado de bilheteria chegou a R$ 2,6 bilhões, um aumento de 12,4% com relação ao ano anterior. Foram vendidos em torno de 185 milhões de ingressos, uma alta de 8,3%, e o market share do cinema nacional alcançou 14,6%, a melhor participação em muito tempo.
Agora, em 2017, o cenário foi bastante diferente. Após oito anos de aumentos consecutivos, constatou-se uma ligeira queda na venda de ingressos. Cerca de 2,2% em relação a 2016 (um total de 181 milhões de ingressos vendidos). E o segmento mais prejudicado foi o filme nacional, que despencou 40% em relação ao ano anterior, atraindo um total de 18,2 milhões de espectadores, segundo o Filme B. Os números são preocupantes, mas é importante lembrar que a queda se deve também ao fato de a venda de ingressos de longas brasileiros em 2016 ter sido impulsionada pelo polêmico rendimento de “Os Dez Mandamentos”.
Mas não foi apenas isso, é claro. As comédias nacionais não fizeram tanta diferença como nos anos anteriores. Os destaques foram apenas “Minha mãe é uma peça 2”, que embora lançado em 2016 teve boa parte de sua bilheteria em 2017, sendo o único filme nacional no top 10 do ano, levando 9,3 milhões de pessoas aos cinemas, e, mais recentemente, “Os parças”, que se aproxima de 1,3 milhões de espectadores. Apenas dois outros longas nacionais lançados em 2017 superaram a marca de 1 milhão de espectadores: “Polícia Federal – A lei é para todos” (1,3 milhão) e “Detetives do Prédio Azul (D.P.A.) – O filme” (1,2 milhão).
Em 2016, o desempenho de “É fada!” gerava a dúvida sobre o sucesso de diversos filmes estrelados por influenciadores programados para 2017. Agora que o ano terminou, é possível concluir que o êxito na internet nem sempre vai se converter em sucesso na tela grande. Embora Whindersson Nunes esteja no bem-sucedido “Os parças”, outros filmes como “Eu fico loko”, “Como se tornar o pior aluno da escola”, “Internet – O filme” e “Gosto se discute” tiveram bilheterias aquém do esperado.
Para os lados de Hollywood, pela primeira vez os números não foram o assunto mais comentado no final do ano. A onda de assédios que atingiu a indústria e afetou nomes fortes como Harvey Weinstein, Kevin Spacey e Louis CK roubou o foco dos noticiários no segundo semestre e tem tudo para seguir repercutindo na temporada de premiações em diante. Atrizes de grande nome do cinema americano já estudam protestos nas cerimônias do Globo de Ouro e do Oscar, além de terem criado um fundo de apoio a vítimas, o Time’s Up.
Mas, se o cenário do circuito cinematográfico não foi muito positivo, o mesmo não se pode dizer da cena de eventos culturais dessa área. O Rio de Janeiro permaneceu palco de importantes festivais, mostras e retrospectivas durante todo o ano de 2017. Espaços como o Centro Cultural do Banco do Brasil, a Caixa Cultural, o Instituto Moreira Salles, o Centro Cultural da Justiça Federal, o Centro Cultural dos Correios e o Museu de Arte Moderna - MAM foram palco de grandes e diversificados eventos. Isso sem falar em cinemas de circuito que continuaram abrindo suas portas para seleções às margens das estreias semanais, como o Cine Joia, o Espaço Itaú de Cinema, o Odeon - Centro Cultural Luiz Severiano Ribeiro, o Cine Arte UFF, o Reserva Cultural de Niterói e as salas do Grupo Estação Net.
Só o CCBB-RJ, palco da já tradicional mostra da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, abriu suas portas para eventos de todos os tipos. Jean Renoir e Michelangelo Antonioni tiveram retrospectivas de destaque no espaço. E chamou a atenção a oportunidade de ter contato com as mais diversas cinematografias, por meio de seleções como Novo Cinema Indiano, Mostra de Filmes da Austrália, 1ª Mostra de Cinema Egípcio Contemporâneo, Mostra de Cinema Uruguaio, 7ª Mostra de Cinema Polonês e Mostra de Cinema Norueguês. O centro cultural também se mostrou ligado com os temas do mundo atual, abrigando o Festival Assim Vivemos, com obras sobre acessibilidade, e o 12ª Femina – Festival Internacional de Cinema Feminino.
A Caixa Cultural foi outro importante espaço para eventos cinematográficos, com destaque para a Mostra Diretoras Negras do Cinema Brasileiro, o Festival Visões Periféricas, a seleção Grandes Clássicos do Cinema Africano, a Mostra Cinema Grego Contemporâneo – Memórias da Crise e a Mostra Reinventando Shakespeare, além de retrospectiva de nomes como Luis Ospina, Jirí Trnka (o “Walt Disney do Leste Europeu”), Barbara Hammer, Takeshi Kitano e Jacques Demy.
Homenageado pela ACCRJ em 2016, o Cine Joia foi espaço de debates, cineclubes e inúmeros eventos de destaque, como o Rio Fantastik Festival 2017, a Mostra de Cinema França é Joia!, a Mostra Rosemberg – Cinema, Colagem e Afetos, entre outros.
Além das pequenas mostras e retrospectivas, o Rio de Janeiro manteve em seu calendário de eventos cinematográficos de grande porte, como o Festival do Rio, o É Tudo Verdade, o Anima Mundi, a Semana (antiga Semana dos Realizadores), a Mostra do Filme Livre, o Festival Internacional de Cinema Infantil - FICI e o Cinefoot - Festival de Cinema de Futebol.
Mesmo com a crise e a diminuição na venda de ingressos, o cinéfilo carioca continua tendo motivos para comemorar, uma vez que conta com um calendário de eventos que vai de janeiro a dezembro. E nada como a Mostra Melhores do Ano da ACCRJ para dar início a esta trajetória de imersão cinematográfica.