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Nelson Pereira dos Santos

Por Frank Carbone

Os rostos que Nelson incluiu

Quantos cineastas pelo mundo podem se orgulhar de abrir a carreira com uma obra-prima que transmutou o olhar para a cinematografia de seu país e continuar fazendo com a própria carreira uma série de acertos para o cinema como um todo? Aos 27 anos, Nelson Pereira dos Santos abriu com “Rio, 40 Graus” uma brecha no ato de contar histórias no cinema brasileiro em meados dos anos 50, dando voz a uma parcela social não apenas desfavorecida como também não ouvida, e a partir dela radiografando o mundano de seu microcosmo. Foi esse o movimento primeiro de Nelson; sem a pretensão de querer revolucionar, acabar por fazê-lo ao desconstruir fatias sociais tão amplas quanto inesperadas.

 

Filmar o que ninguém filmava à época foi o que rapidamente colocou Nelson como porta-voz de uma vanguarda cinematográfica que se apartaria dos ideais clássicos da Atlântida e da Vera Cruz, com sua chanchada escapista. Paulista vindo para o Rio de Janeiro, o jovem politizado de construção cinematográfica elaborada, embevecido com o neo-realismo italiano e a Nouvelle Vague, viria em seu primeiro longa a dar o pontapé do que se chamaria no futuro Cinema Novo. Muito mais do que apenas “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, o rapaz queria colocar no centro da narrativa os personagens que as narrativas comumente desprezavam, e a crueza típica da inexperiência da qual Nelson retirou verdade.

 

Rostos negros. Rostos pobres. Rostos sem protagonismo. Em “Rio, Zona Norte”, Grande Otelo saía do espaço humorístico para desbravar um tipo comum, o sambista Espírito da Luz, ampliando o escopo da própria carreira e mostrando o lado mais amargo da pretensa fama. Em “Na estrada da vida”, ousou explorar o universo sertanejo, dos homens do campo, na época ainda marginalizados. Na adaptação de Jorge Amado “Tenda dos Milagres”, vestiu de baianidade sua filmografia e desbravou as religiões de matrizes africanas de peito aberto. Nelson filmou esses rostos e corpos com a propriedade de quem entende a importância de ir além do que a elite predominante no cinema queria filmar.

 

Em 1961, conseguiu transformar um dos maiores clássicos da literatura brasileira em material de sua cepa. Talvez não houvesse mesmo outro diretor capaz de absorver o Graciliano Ramos de “Vidas Secas” em material tão seu, dando enfim vida à mítica Baleia; junto a ela, um retrato arrasador e definitivo sobre a seca na região árida do Nordeste, e o abandono público - além da destruição gradual dos sonhos, estampada em cada semblante filmado por Nelson. Vinte anos depois voltaria a Graciliano, dessa vez para filmar o corpo semidestruído pela injusta prisão do autor, encarnado em Carlos Vereza, no seminal “Memórias do cárcere”. A partir dali, Nelson assinaria sua definitiva entrada para a posteridade.

 

Em 2006, Nelson Pereira dos Santos se tornou o primeiro cineasta a ocupar uma cadeira entre os imortais da Academia Brasileira de Letras. Ingênuos... Nelson já tinha adquirido a imortalidade havia pelo menos 30 anos.

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