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Um lugar silencioso

Por Marcelo Janot

Parábola de tempos sombrios

Quando se achava que “Corra!” (vencedor do Oscar de melhor roteiro e eleito um dos melhores do ano pela ACCRJ), de Jordan Peele, já tinha dado contribuição suficiente para revitalizar os filmes de terror, eis que 2018 nos trouxe grandes surpresas: no Brasil, os filmes “As boas maneiras”, de Marco Dutra e Juliana Rojas, e “O animal cordial”, de Gabriela Amaral Almeida, confirmaram a força da nova geração que revitaliza o cinema de gênero no país, em tramas com forte subtexto político. Seu equivalente americano é “Um lugar silencioso”, de John Krasinski. A trama se passa nos Estados Unidos em um cenário pós-apocalíptico onde quem produz o menor ruído é morto por um alien gosmento que parece surgir do nada em questão de segundos. 

Dessa forma, os personagens (uma família composta pelo diretor-ator, sua mulher também na vida real Emily Blunt e os filhos pequenos) lutam com a escassez de recursos (praticamente toda a população foi dizimada) e precisam adotar estratégias para se comunicarem entre si sem fazer barulho. Logo o espectador percebe que ele também está envolvido numa experiência sensorial de tirar o fôlego e fazer até mesmo os tradicionais barulhos dos sacos de pipoca quase sumirem da sala de cinema. 

Se um simples estalar de dedos pode significar uma sentença de morte, imagina se uma mulher está prestes a dar à luz um bebê que inevitavelmente chegará ao mundo chorando? Assim “Um lugar silencioso” vai construindo o suspense em uma trama que ganha camadas de complexidade à medida que avança (a filha mais velha do casal é surda, assim como a ótima atriz mirim Millicent Simmonds, de “Sem fôlego”, que a interpreta).

 

Krasinski é também coautor do roteiro ao lado dos autores da história original, a dupla Brian Woods e Scott Beck. Como diretor, ele sabe explorar bem todas as possibilidades que as locações oferecem (da claustrofóbica casa a uma plantação de milho), e a trilha sonora de Marco Beltrami é sutil na construção de climas, quebrando mais uma convenção do gênero que é o uso do barulho excessivo.

É tudo tão inventivo e ao mesmo tempo bem encaixado, sem deixar que a ousadia formal predomine sobre um fundamento básico do terror (provocar sustos em uma atmosfera de suspense), que até uma pequena derrapada sentimentalista se torna perdoável. E mesmo sem a força da mensagem política de “Corra!”, ele pode ser lido como uma parábola de tempos sombrios em que, sob a vigilância de monstros cegos e irracionais, o afeto pode abrir possibilidades de diálogo. Enquanto isso não acontece, o silêncio é o caminho mais recomendável para a sobrevivência.

Um lugar silencioso (A quiet place) de John Krasinski (EUA, 2018). Com Emily Blunt, John Krasinski, Millicent Simmonds.

 

Drama/Horror/Mistério. Sinopse: Em uma fazenda nos Estados Unidos, uma família do Meio-Oeste é perseguida por uma entidade fantasmagórica assustadora. Para se protegerem, eles devem permanecer em silêncio absoluto, a qualquer custo, pois o perigo é ativado pela percepção do som. 90 minutos. 14 anos.

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