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Homenagem ao cineasta Andrea Tonacci com o filme “Já visto jamais visto”

Por Marcelo Müller

A arte de demonstrar amor

A matéria-prima de “Já visto jamais visto” é o passado, mais especificamente os estilhaços de outrora, retidos em diversas situações e momentos pelo cineasta Andrea Tonacci. Italiano de nascimento, radicado no Brasil desde os 9 anos – passou do fim da infância em diante no país tropical, com o qual sua obra se preocupou sobremaneira –, ele resolveu revisitar imagens capturadas durante mais de 50 anos. Do profissional Tonacci vieram fragmentos de longas-metragens, dos acabados aos infelizmente inacabados. Do homem de família, os flagrantes de intimidade, como o relance do filho tocando piano sem saber-se filmado, e a documentação da viagem à Itália. Longe de tentar construir uma narrativa convencional, Andrea Tonacci propõe uma poesia de encontros imagéticos e sonoros.

 

O começo é particularmente voltado à infância, com o entrecruzamento de um making of e a viagem, ambos centralizados numa criança. A justaposição dos bastidores com os registros da visita à terra natal de Tonacci, especialmente por conta do interesse compartilhado, cria um breve percurso cuja beleza está na simplicidade da rima entre as dimensões ficcional e real, mescladas em “Já visto jamais visto”. Filmes não finalizados como “Os últimos heróis” (1966), “A mulher do mafioso” (1973), “At any time” (1960/1998) e “Paixões” (1994) ganham novos significados ao se misturarem com obras emblemáticas de Andrea Tonacci, que o tornaram célebre.

 

“Olho por olho” (1965), “Blablablá” (1968) e “Bang bang” (1970), este um dos grandes títulos do chamado Cinema Marginal, ou Udigrudi, período do qual Andrea foi um dos destaques, oferecem não apenas seus fotogramas a este rico experimento cinematográfico que utiliza a arte como via à escoação dos afetos, mas trazem consigo a urgência dos tempos de luta. Realizados em plena Ditadura Civil-Militar, esses longas formam o segmento em que Tonacci alude, pesaroso, aos anos de chumbo. Nos vídeos caseiros, transborda o amor do realizador pela arte. Mesmo em casa, ele se preocupa com ângulos e perspectivas.

 

“Já visto jamais visto” não foi concebido para ser testamento, uma vez que, a despeito das dificuldades de financiamento que sempre enfrentou, Andrea Tonacci tinha outros projetos em vista. Assim, é involuntária, mas também incontornável, a sensação de tristeza que perpassa integralmente essa sessão especial, pois temos um cineasta inventivo, absolutamente enamorado pela forma escolhida para comunicar o mundo e relacionar-se com ele, que olha para o ontem em busca, talvez, de diretrizes ao porvir. Andrea Tonacci, como um arqueólogo cinematográfico da própria história, resgata pedaços, dando-lhes valor e significado. A homenagem aos pais, quando lança mão de fotografias deles da solteirice à constituição familiar, encaminha o encerramento, que se dá na bela leitura de “O desprezo”, de Alberto Moravia, exatamente sobre o fazer cinema.

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