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Diversão e Arte

Por Pedro Butcher

Em carta aberta à filha Francesca, de 14 anos, publicada na imprensa e infinitamente reproduzida na internet, Martin Scorsese discorre sobre o futuro do cinema com um misto de melancolia e otimismo. Depois de algumas considerações sobre a arte que teve papel decisivo na sua formação pessoal, conclui: “O entretenimento audiovisual e aquilo que nós conhecemos como cinema – imagens em movimento concebidas por indivíduos – parecem caminhar em direções diferentes. No futuro, você provavelmente verá menos o que reconhecemos como cinema nas telas de um multiplex e mais em salas pequenas, on-line e, imagino, em espaços e circunstâncias que eu não posso prever”. Scorsese faz questão de afirmar, porém, que “o futuro é brilhante”, pois, pela primeira vez na história, filmes podem ser feitos por muito pouco dinheiro. “Isso era impensável na minha juventude, quando filmes de baixo orçamento sempre foram exceção, e não a regra. Agora, é o contrário”.

 

O diagnóstico de Scorsese se aplica perfeitamente ao Brasil, onde o “mercadão” de cinema vive um período de expansão e pujança. Em 2013, por exemplo, foram inaugurados no país 50 cinemas com um total de 232 salas, 80% deles em shopping centers, no formato multiplex, quase todos em cidades do interior ou nas periferias das grandes cidades – regiões notoriamente carentes de aparelhos de cultura e lazer. Há pelo menos dez anos o setor da exibição tem sido alvo de grandes investimentos, voltando a crescer significativamente, com o número de salas abertas superando o de salas fechadas.

 

Como consequência direta dessa nova fase da exibição, público e bilheteria total também vêm crescendo continuamente. Em 2013, a arrecadação dos filmes aumentou pelo oitavo ano consecutivo, chegando a R$ 1,7 bilhão, e o total de ingressos vendidos superou a marca de 151 milhões (no quinto ano consecutivo de alta). Mas, como afirmou Scorsese, nesse mercado em fase de alta polarização, blockbusters estrangeiros e nacionais, que foram a dieta principal dos multiplex, concentraram boa parte dos resultados, enquanto um grande número de produções das mais variadas estirpes, incluindo aí o cinema de perfil mais autoral, têm tido mais dificuldade de encontrar público nos cinemas.

 

O padrão multiplex é assumidamente pensado para os filmes que recebem grande investimento de mídia em seus lançamentos, e, apesar do modelo de várias salas em um único espaço, o fato é que, quase sempre, a maior parte dessas salas – e certamente as maiores de cada complexo – só passam alguns mesmos títulos. Os 20 filmes mais vistos do ano passado somam quase 60% da bilheteria.

 

Ao mesmo tempo, o número de filmes lançados também vem aumentando sistematicamente nos últimos anos no Brasil. Esse fenômeno se explica, em parte, pela queda dos preços das produções independentes nos grandes mercados internacionais, e também pelo fato de a distribuição digital (às vezes em baixíssima qualidade) ter permitido uma redução significativa nos custos de lançamento.

 

Ao longo de 2013, nada menos que 395 longas-metragens chegaram ao circuito comercial, contra 316 em 2009. Os grandes estúdios de Hollywood (Disney, Fox, Paramount, Sony, Universal, Warner, as chamadas majors) lançaram 80 filmes, enquanto as companhias independentes pularam de 216 filmes em 2009 para 315 no ano passado – quase 100 a mais, portanto. Desses 395 filmes que chegaram ao circuito, 235 (60%) foram vistos por menos de 50 mil espectadores.

 

O universo dos filmes distribuídos é pequeno no oceano cada vez mais diversificado de produções de todos os formatos, orçamentos e estilos, e que muitas vezes só conseguem circular em festivais de cinema ou em plataformas digitais. Os dois maiores eventos cinematográficos do país (Festival do Rio e Mostra de São Paulo) programaram mais de 350 filmes cada um, exibidos ao longo de duas semanas, no ano passado. Não é por acaso, portanto, que algumas publicações importantes do mundo tenham optado por divulgar, ao lado da tradicional lista do top 10 entre os títulos distribuídos comercialmente, uma outra lista, com os “10 melhores filmes sem distribuição”. Também é cada vez mais comum telefilmes e séries de TV surgirem nessas listas (principalmente no caso de listas individuais, de cada crítico).

 

A lista dos dez mais segundo a Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro reflete essa polarização do mercado: nela, há apenas um longa lançado por um grande estúdio: Django Livre, de Quentin Tarantino (também o único que vendeu mais de um milhão de ingressos no circuito brasileiro). Os outros nove – A Caça, Amor, Blue Jasmine, César Deve Morrer, Killer Joe, No, Rush, O Som ao Redor e Tatuagem – foram todos lançados por companhias independentes, com resultados bem mais modestos. A presença de dois filmes brasileiros na lista chama especial atenção. Além do internacionalmente aclamado O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, também figura nela a estreia do roteirista Hilton Lacerda como diretor, Tatuagem, dois exemplos da vigorosa produção recente do estado de Pernambuco.

 

Entre os filmes que angariaram um número significativo de votos, há três produções em 3D, o que confirma a força que o formato vem ganhando em sua fase digital. São eles Gravidade, de Alfonso Cuarón, um dos raros filmes recentes que combinaram boa recepção crítica e bilheterias robustas (o filme abriu o Festival de Veneza e, só nos Estados Unidos, rendeu US$ 255 milhões); o documentário A Caverna dos Sonhos Esquecidos, de Werner Herzog, que faz um uso excepcional do 3D para mostrar como pinturas rupestres aproveitavam as reentrâncias das paredes de uma caverna para dar uma impressão de volume; e ainda Além da Escuridão – Star Trek – o único blockbuster da lista, não por acaso concebido e dirigido por um homem vindo da TV (J.J. Abrams, criador da série Lost).

 

Outros filmes bastante votados foram O Mestre, de Paul Thomas Anderson, Dentro da Casa, de François Ozon, Tabu, de Miguel Gomes, Amor Pleno, de Terrence Malick, O Estranho do Lago, de Alain Giraudie, A Grande Beleza, de Paolo Sorrentino, Além das Montanhas, de Cristian Mungiu, Vocês Ainda Não Viram Nada, de Alain Resnais, O Estranho Caso de Angélica, de Manoel de Oliveira, e Azul É a Cor Mais Quente, de Abdelatif Kechiche.

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