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Domingo Sangrento (Bloody Sunday), de Paul Greengrass (Inglaterra)

Por Carlos Alberto Mattos

Em meados dos anos 60, documentaristas americanos puseram em prática um tipo de filme que ficaria conhecido como "cinema direto": a câmera se comportaria como uma mosca na parede, sem interferir na ação e nem mesmo ser considerada (embora percebida) pelas pessoas documentadas. O cinema direto nascia de um pacto entre o documentarista e seus personagens. Estes viveriam sua vida "normalmente", enquanto o realizador apenas teria acesso para registrá-la, como se ali não estivesse.

Três décadas antes, conflitos como a Guerra Civil espanhola e a II Guerra Mundial lançariam a figura do cinegrafista de guerra, aquele que se aproxima o mais possível do front, às vezes confundindo-se com os soldados, captando a quente as situações de perigo e safando-se como pode. 

Domingo Sangrento (Bloody Sunday, 2001) dividiu com a animação japonesa A Viagem de Chihiro o Urso de Ouro do último Festival de Berlim não apenas por reconstituir a tristemente célebre marcha anti-britânica de 30 de janeiro de 1972, na pequena cidade irlandesa de Derry. Dissolvida a tiros pela polícia, com um saldo de 13 mortos, a marcha resultou na transformação da luta separatista da Irlanda do Norte em guerra civil através do anos subseqüentes. O motivo principal do êxito do filme, no entanto, é ter sido feito como um simulacro de cinema direto e reportagem de guerra. O espectador é colocado, literalmente, no centro de três fogos: as balas da tropa de "Paras", as pedras dos manifestantes e o desespero dos líderes da marcha na tentativa de evitar um massacre.

A descoloração parcial das imagens deixa a lembrança de um filme em preto-e-branco. Nas cenas de interiores, a câmera assume posições "casuais", acompanhando os diálogos através de frestas, portas entreabertas, paredes de vidro, ou com uma constante obstrução de móveis, figurantes que passam etc. Às vezes ocorre uma contradição formal - as imagens estão obstruídas, mas o som está sempre límpido e audível. Nos exteriores, os cinegrafistas conduzem as câmeras na mão ou nos ombros, em constante deslocamento, correndo junto com os manifestantes ou protegendo-se do fogo cruzado. A montagem recolhe fragmentos da ação e fornece ao espectador uma visão "de dentro", veloz e incompleta, mas em compensação extremamente viva e participativa. 

O estilo é o grande trunfo do filme de Paul Greengrass, mas também a sua limitação. Ao contrário dos trabalhos de Ken Loach, influência evidente, não sobra muito espaço para a dramatização dos aspectos humanos do conflito. Dilemas romântico-políticos se insinuam, a crise de consciência de um soldado é esboçada, mas nada disso assume importância decisiva no roteiro. Da mesma forma, o contexto da luta entre católicos e protestantes tem peso quase insignificante num trabalho que se baseia apenas no calor dos fatos e na extraordinária perícia da encenação. O filme nos impressiona bem mais que o assunto tratado - o que, certamente, não estava nos planos do realizador.

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