Drive (Drive), de Nicolas Winding Refn (EUA)
Por João Marcelo Ferreira de Mattos
"Drive" é uma história de amor discreto. O de um taciturno motorista, dublê, flâneur, meio cavaleiro andante, um papel que deverá ser antológico para a carreira desse jovem titã que é Ryan Gosling. É a história do amor do motorista por uma mulher que Carey Mulligan interpreta com sua característica habitual, descomunal em pujança, de um olhar com uma tristeza abissal e polifônica.
"Drive" é uma história de amor nada discreto, inebriante. Pelo cinema. E sobre a obra admiradores e detratadores têm uma unanimidade evidente (negar isso seria loucura): este filme é autoconsciente demais do processo que expõe, articula, é por demais visão de "arte" sobre a mitologia cinematográfica com a qual lida (filme B, filme noir, cinema urbano dos EUA dos anos 1970 e 1980, eurothiller dos anos 1970, séries de TV dessas épocas, o chamado "cinema do corpo" etc.). E o momento mais baixo do filme (a da piada do gângster sobre os filmes que produziu) fornece munição para reforçar essa impressão. William Friedkin, diretor de "Operação França" e "Viver e Morrer em Los Angeles", que fazem parte do tipo de universo que inspirou "Drive", fez esse tipo de restrição, com elegância e respeito, à este trabalho de Nicolas Winding Refn.
Uma cena resume todas as questões em torno da obra: a do elevador. O motorista deduz que ele e ela serão atacados pelo cara que está ali dentro, afasta-a com candura e também ardor para um canto e lhe dá um beijo fulgurante, antes de partir para atacar o sujeito no exíguo espaço. Quebra-se aí um paradigma muito estabelecido da arte cinematográfica, pois no mesmo plano, sem cortes, a intensidade da luz muda sem a menor preocupação em esconder isso da plateia - e muda com ênfase absurda. Cineastas como o argentino Fernando Solanas, defensor entusiasmado de experimentações de linguagem, afirmam que uma única coisa que nunca deve ser feita é isso: mudar a luz de maneira acintosa dentro de um mesmo plano, apenas entre um corte e outro. Seria radical demais. Seria o limite no relacionamento entre a representação e a recepção pelo espectador.
Rejeitar a obra não deixa de expor uma velha contradição cinéfila, plena de arrogância. Ama-se esse tipo de cinema de "Drive" (B, do corpo, policial etc., etc.) - que em princípio a crítica "séria" e o público idem não veem como "inteligente" (no sentido conteudístico, de ter uma "mensagem") -, mas só se filmes como esses não forem conscientes demais de si mesmos, só aqueles cuja realização está à espera da prescrutação cinéfila/crítica, que veja neles qualidades não aparentes, que dê valor a esse tipo de cinema. Amar "Drive" com toda a opulência desvairada que possui é um ato de abnegação e generosidade, como as melhores histórias de amor.
Drive - EUA, 2011 - Direção: Nicolas Winding Refn - Roteiro: Hossein Amini - Produção: Michel Litvak, John Palermo, Marc Platt, Gigi Pritzker, Adam Siegel - Fotografia: Newton Thomas Sigel - Montagem: Matthew Newman - Elenco: Ryan Gosling, Carey Mulligan, Bryan Cranston, Albert Brooks, Oscar Isaac, Christina Hendricks, Ron Perlman - Duração: 100 minutos.