Elefante (Elephant), de Gus Van Sant (EUA)
Por Pedro Butcher
Elefante (Elephant, 2003) talvez seja o primeiro filme cuja narrativa de fato internaliza a forma do videogame. Não se trata, aqui, da mera apropriação ou reprodução da lógica dos jogos feita por Hollywood em filmes como "Star Wars" ou em adaptações diretas do formato como "Tomb Raider" ou "Resident Evil". Elefante procura entrar dentro da cabeça de certo jovem americano contemporâneo incorporando à sua própria forma os dispositivos que moldam a subjetividade destes jovens no mundo de hoje. Vem daí a câmera que acompanha os personagens de perto, por trás, enquanto eles caminham, em longos planos-seqüência (exatamente como um jogador de videogame "vê" o mundo enquanto está absorvido pelo jogo), ou mesmo a forma como o filme escolhe acompanhar um ou outro personagem e segui-lo durante um tempo, desenhando caminhos narrativos autônomos que, juntos, compõem um quadro coerente.
O crítico francês Serge Daney certa vez definiu o cinema como a arte de orquestrar distâncias, em oposição à TV, que teria como característica principal a unidimensionalidade dos planos médios e a capacidade de "chapar" distâncias com o uso abusivo da lente zoom. Em Elefante, Gus Van Sant mostra pleno domínio desta "arte das distâncias" ao enquadrar, de forma magistral, os espaços por onde circulam os adolescentes, sejam eles abertos (gramados, ginásios, ruas) ou fechados (os corredores, o refeitório e a biblioteca da escola). Para além do enquadramento, porém, Van Sant mostra pleno domínio do extra-campo (aquilo que está fora de quadro) e da necessária articulação desses espaços na montagem. O resultado é a plena maturidade de um projeto cinematográfico (filmar a juventude americana) cujo embrião está lá em "Drugstore Cowboy".
A originalidade do ponto de vista de Gus Van Sant sobre o jovem está em seu olhar curioso, aberto e erotizado, que potencializa a imagem e evita que ela caia na banalidade. Além de estar mais solto na composição do quadro, neste filme que lhe deu a Palma de Ouro em Cannes Van Sant está mais livre na direção dos atores, trabalhando exclusivamente com não-profissionais.
O título faz referência a um filme homônimo de meia-hora, muito pouco conhecido, do diretor inglês Alan Clarke, em que jovens na Irlanda do Norte praticam assassinatos sucessivos, aleatórios e injustificados, com uma câmera que se limita a acompanhá-los. Para Clarke, a questão da violência juvenil é "do tamanho de um elefante na sala de estar" (em suas próprias palavras), mas ainda assim todos parecem se recusar a enxergá-la. É a postura que Van Sant também adota, numa recusa completa de intelectualização do episódio que lhe serviu de ponto de partida (o massacre da escola de Columbine).
Elefante não é, de forma alguma, um filme de tese - como o era, por exemplo, o documentário super-explicativo "Tiros em Columbine", de Michael Moore, que discorre sobre o mesmo tema. O filme mais parece uma obra "geográfica", uma descrição política dos espaços em que habitam os personagens. É o que permite que, quando a violência entre em cena, tratada de forma absolutamente anti-espetacular, seja impressionante em sua banalidade. Não há espaço para a emoção lacrimosa, só para o choque.