Febre do Rato, de Cláudio Assis (Brasil)
Por Gilberto Silva Jr.
Poucos autores no cinema contemporâneo, não somente no brasileiro, transpassam a sua obra de forma tão aberta e desavergonhada com as características de sua personalidade como Cláudio Assis. Seus filmes são como ele: sem pudores ou papas na língua, ou, no caso, nas imagens, transmitindo sentimentos ou ideias que afloram à pele com a mais completa sinceridade e alguma inconsequência, mas que são a expressão viva do que o autor tinha a dizer naquele exato momento.
Vem sendo assim ao menos desde o curta "Texas Hotel" (1999), semente para "Amarelo Manga" (2002), passando pelo irregular "Baixio das Bestas" (2006). "Febre do Rato" demonstra um amadurecimento de Assis, sem que ele venha a abrir mão de seus ideais ou idiossincrasias individuais. Temos figuras marginalizadas de Recife, que assumem ao mesmo tempo uma identidade regional da cidade retratada, mas também poderiam igualmente se adequar a características universais, tamanha é a palpabilidade com a qual Assis impregna seus personagens.
O diretor nos traz dessa vez um protagonista com o qual claramente se identifica e que emerge como porta-voz de suas ideias e atitudes. Zizo (Irandhir Santos) faz de sua vida pessoal e sexual um prolongamento de tudo aquilo que apregoa em seu impresso que dá nome ao filme. Nele, assim como em Assis, obra e arte não se distinguem da própria existência individual. É ao mesmo tempo uma mistura de podridão e doçura, abraçando cada vez mais essa última, que passa a dominá-lo a partir do envolvimento com Eneida (Nanda Costa), musa imperfeita e impura, mas sem nada dever àquelas que inspiraram trovadores medievais ou poetas românticos. E todas as figuras que os cercam celebram concomitantemente a alegria e a crueza do viver, crueza essa que se faz presente de forma dominante na conclusão do filme.
Vale ressaltar que o já citado amadurecimento de Cláudio Assis se dá não somente no campo das ideias e do texto, organizados por seu roteirista habitual, Hilton Lacerda, mas também sob o ponto de vista formal. A "Febre do Rato" é filme que conta com uma composição de planos e sequências de objetividade e eficiência raras no cinema brasileiro atual. Assis consegue equalizar com talento a alternância e complementaridade entre o tosco e o sublime. A fotografia em preto e branco ressalta a cumplicidade com Walter Carvalho, que muitas vezes sobrecarrega alguns filmes que fotografa com excesso de virtuosismo, mas que aqui sabe servir aos propósitos do diretor. Isso tudo e mais fazem de "A Febre do Rato" um filme envolvente e pessoal até a medula, ou talvez, como prefira Assis, até o talo.
Brasil, 2011 - Direção: Cláudio Assis - Roteiro: Hilton Lacerda - Produção: Julia Moraes, Cláudio Assis - Fotografia: Walter Carvalho - Montagem: Karen Harley - Elenco: Irandhir Santos, Nanda Costa, Matheus Nachtergaele, Ângela Leal, Maria Gladys, Conceição Camarotti, Mariana Nunes, Juliano Cazarré - Duração: 110 minutos.