top of page

Melhor Filme: Ela (Her), de Spike Jonze (EUA)

Por Marcelo Janot

Um retrato de uma era, uma história de amor

 

Em fevereiro de 2014, quando Ela chegou aos cinemas brasileiros, ainda não estava muito claro para os usuários do Facebook como funcionavam os tais algoritmos que ditavam o funcionamento da rede social mais popular do mundo. Ao longo do ano passado, pesquisas revelaram de que maneira nossa experiência individual na rede é manipulada por um inteligentíssimo sistema operacional, afetando o modo como interagimos diante do computador. Embora o filme de Spike Jonze se passe num futuro indeterminado, o sistema operacional Samantha, um dos personagens protagonistas, não é muito diferente do que já experimentamos em nosso dia a dia.

 

Estamos diante, portanto, de uma ficção científica assustadoramente real. Se a inteligência artificial a bordo de espaçonaves cinematográficas continua nos intrigando desde 2001 até o recente Interestelar, em Ela identificamos nos personagens a familiaridade com o mundo ao nosso redor. O introspectivo Theodore (Joaquin Phoenix) é um cara normal, recém-separado, emprego estável, e não um freak. É fácil reconhecê-lo naquele amigo que abriu mão de ter relacionamentos estáveis por não encontrar uma namorada que funcione como um robô que atenda seus caprichos.

 

Muito do que vemos no filme já é parte do nosso cotidiano, como a tecnologia que nos conecta e ao mesmo tempo nos afasta uns dos outros, ou a maneira como nos tornamos consumidores passivos e preguiçosos intelectualmente. Em Ela, Theodore recebe salário para criar cartas de amor que são escritas “à mão” pelo computador, que poderia muito bem se valer de algum algoritmo para ocupar o papel de Theodore e ser também o responsável pelo conteúdo das missivas.

 

É nesse mundo que queremos viver, onde na rua todos parecem iguais, vestem roupas parecidas e habitam apartamentos impessoais? Essa atmosfera ao mesmo tempo repulsiva e sedutora é construída de maneira impecável e poética pela direção de arte, pela fotografia e pela delicada trilha sonora, que ainda tem como função suprimir completamente os ruídos externos. Barulhos urbanos não fazem parte desse universo asséptico.

 

Mais assustadora é a normalidade com que se aceita a relação amorosa entre um ser humano e um sistema operacional. Spike Jonze deita e rola em cima das possibilidades abertas por uma história de amor das mais inusitadas e bizarras já produzidas pelo cinema. Desarma o espectador quando este percebe que no fundo o filme é apenas isso: uma bela história amor. Em Ela não há nenhuma corporação maligna do mundo capitalista controlando um revolucionário sistema operacional com objetivo de maximizar seu lucro. Essas questões passam ao largo do mundo de Theodore e da imaginação fértil de Spike Jonze, aquele que um dia mostrou como é entrar na mente de John Malkovich. E hoje nos faz sonhar com a voz de Scarlet Johansson.

 

Poucos filmes serão capazes de definir com tanta precisão uma era como Ela. Pelo menos até a implementação de um novo sistema operacional que nos coloque diante da próxima revolução.

Her – EUA, 2013 - Direção: Spike Jonze – Roteiro: Spike Jonze – Produção: Megan Ellison, Spike Jonze, Vicent Landay - Fotografia: Hoyte Van Hoytema – Montagem: Jeff Buchanan, Eric Zumbrunnen – Elenco: Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson, Amy Adams, Rooney Mara, Olivia Wilde – Duração: 120 minutos.

bottom of page