Homenagem a Ennio Morricone
Por Marcelo Janot
A música que também encantava fora da tela
Ennio Morricone já tinha 87 anos quando subiu ao palco do Dolby Theatre, em 2016, para finalmente receber um Oscar de Melhor Trilha Sonora Original. O filme “Os oito odiados”, de Quentin Tarantino, evitou que o reconhecimento da carreira do compositor, arranjador e maestro italiano, pela Academia de Hollywood, se resumisse ao Oscar Honorário recebido nove anos antes.
Morricone é integrante ilustre de uma seleta lista que não banaliza a alcunha de “gênio”. Com mais de 500 composições para longas, curtas e séries de TV, ele impressiona pela versatilidade. Trabalhou com grandes nomes do cinema italiano de estilos tão diversos quanto Pasolini, Argento, Sergio Leone e Tornatore. Em Hollywood, além do já citado Tarantino, seus scores foram ouvidos em filmes de John Carpenter, Samuel Fuller, Terrence Malick, entre outros.
Chama a atenção o fato de suas trilhas não cumprirem apenas o papel de se adequar ao filme, mas sobreviverem fora da tela como peças musicais orquestradas que prescindem da imagem. Mesmo quem não viu “Quando explode a vingança”, de Leone, “A missão”, de Roland Joffé, ou “Os intocáveis”, de Brian De Palma, é capaz de se emocionar escutando a trilha sonora. Não à toa, até o fim de sua vida o maestro Morricone seguiu regendo orquestras em concertos mundo afora, inclusive no Brasil.
Mas o que mais eterniza essa obra vasta e riquíssima é a parceria de cinco filmes com Leone (1929-1989). Juntos, os dois amigos de infância atingiram a simbiose mágica que já moldou duplas históricas de diretores-compositores, como Hitchcock-Herrmann, Spielberg-Williams ou Fellini-Rota, que praticamente se tornam coautores das produções.
Morricone foi além: ao colocar nas composições sons tão estranhos quanto assovios, sinos, barulho de tiros, chicotadas e gritos de pássaros, ele ajudou a criar, junto com Leone, a subversão que o western spaghetti promoveu em relação ao faroeste tradicional americano. A sintonia entre os dois era tamanha que Leone logo passou a pedir que Morricone, de posse apenas do argumento do filme, compusesse a trilha, que era gravada ou executada ao vivo por uma pequena orquestra durante as filmagens (a do drama existencial “Era uma vez na América” ficou pronta sete anos antes de o filme ser rodado). Assim, a música dava o tom das atuações e também dos movimentos de câmera. Por isso, ao reverenciarmos Ennio Morricone, não é exagero colocá-lo no mesmo patamar do diretor, como responsável por algumas das maiores obras-primas do cinema.
Três homens em conflito (The bad, the good and the ugly), de Sergio Leone (Itália/Espanha/Alemanha Ocidental/USA, 1966). Com Clint Eastwood, Eli Wallach, Lee Van Cleef.
Western. Sinopse: Durante a Guerra Civil Americana, um pistoleiro misterioso e dois estrangeiros decidem juntar suas forças para encontrar um tesouro escondido. Cada um dos homens conhece apenas uma parte da localização da fortuna, o que força essa parceria. O problema é que nenhum deles tem a intenção de dividir a riqueza. 161 minutos. 14 anos.