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Homenagem a Flávio Migliaccio

Por Rodrigo Fonseca

Grita “Shazam” pro Xerife, Tio Maneco!

Coroado com o troféu Oscarito no Festival de Gramado de 2014, por sua monumental entrega a um projeto de representação sociologicamente crítico (e passional) de Brasil nas telas, Flávio Migliaccio (1934-2020) contabilizou cerca de 60 filmes em seu currículo, indo de “O grande momento” (1958), um dos marcos do (pré-)modernismo em nosso audiovisual, até “As jovens polacas” (2019), sempre investindo na figura do chamado “homem comum”, gente (boa) como a gente.

 

Num papo de corredor em terras gramadenses, falou-se dele como “o Jack Lemmon do cinema nacional”. A comparação dele com o astro de “Se meu apartamento falasse” (1960) deve-se não só ao talento, mas também à mimese que os dois faziam de tipos cujo heroísmo estava apenas no gesto de viver, de durar, sem mais ou melhores virtudes. Basta meia hora de “O homem que comprou o mundo” (1968), uma das pouquíssimas ficções do documentarista Eduardo Coutinho (1933-2014), no qual Migliaccio vive José Guerra – O Herói, para entender não só o “twist of Lemmon” que temperava o jeito Migliaccio de atuar, como para compreender a sua reflexão sobre o nosso povo.

 

Ator antes de tudo, lembrado em especial pela figura picaresca do Tio Maneco, uma mistura de Indiana Jones com Professor Pardal, Migliaccio dirigiu sete longas entre 1963 e 1989, sendo o primeiro, “Os mendigos” (com Ruy Guerra no elenco), o mais primoroso deles, que chegou a disputar o troféu principal do Festival de Moscou.

 

Na telona, Migliaccio foi de fenômenos de bilheteria, como “Todas as mulheres do mundo” (1966), de Domingos Oliveira, a radiografias etnográficas radicais, caso de “A noiva da cidade” (1978), de Alex Viany, temperando a retomada de afetividade em “Boleiros”, nas partes I (1998) e II (2006). Nos palcos, cruzou com o Teatro de Arena e brilhou na ribalta como o Chiquinho de “Eles não usam black-tie”, em 1958. Na TV, construiu tipos memoráveis, como o Seu Chalita da série “Tapas & beijos”, e colecionou aplausos em novelas como “A próxima vítima” (1995) e “Caminho das Índias” (2009).

 

Mas foi na novela “O primeiro amor” (1972) que o ator arrebatou corações, fazendo dupla com Paulo José na oficina dos mecânicos Shazan e Xerife. Como a popularidade de ambos foi imensa, eles voltaram à telinha na série “Shazan, Xerife & Cia”. Pedalando a Camicleta, um veículo híbrido de bike e caminhão, os dois levaram todo o país na garupa do sonho de construir uma bicicleta voadora. Neste momento, Migliaccio deve estar voando sobre nós, a nos iluminar, para resistirmos.

O homem que comprou o mundo, de Eduardo Coutinho (Brasil, 1968). Com Flávio Migliaccio, Marília Pêra, Hugo Carvana.

 

Comédia. Sinopse: Um homem tenta ingenuamente descontar um cheque que recebeu de um misterioso hindu, no valor de dez trilhões de dólares, abalando a economia no país e no mundo. 90 minutos. 14 anos.

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