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Homenagem a José Mojica Marins

Por Frank Carbone

O profeta do obscuro

No ano passado encerrou-se a trajetória de um dos mais singulares cineastas brasileiros, que atravessou décadas amealhando elogios e novos admiradores entre gerações diversas, inclusive no exterior. José Mojica Marins ficou mais conhecido pelo público através do alter ego que criou para a frente das câmeras, o Zé do Caixão. Mas quem só analisou esse personagem não alcançou o autor que era considerado por Glauber Rocha, Carlos Reichenbach e Rogério Sganzerla um dos nossos maiores criadores – o que, de fato, era.

 

Ao revisar a filmografia de Mojica, salta aos olhos os motivos pelos quais seu cinema foi tão celebrado por artistas vanguardistas. Ao construir uma linguagem que excedia seu custo em criatividade estética e refinar sua mensagem com um jogo narrativo de espelhamento de opostos, criticando exacerbadamente seu objeto de foco com uma aparência concordante, o autor vestiu de amoralidade o jogo cênico, incitando discussões sobre misoginia, machismo e obscurantismo (entre outras questões) há quase 60 anos.

 

Em pouco tempo, tinha controle sobre suas decisões, reinventando sua imagem como ator (“O profeta da fome”, de 1970, de Maurice Capovilla) e refinando sua autoralidade em exercícios coletivos (“Trilogia do terror”, 1968). Ou dando um ousado passo rumo à metalinguagem (“Exorcismo negro”, 1974), absorvendo uma liberdade narrativa que talvez só hoje seja observada com a devida deferência. Mojica já não é marginal, mas uma instituição artística.

 

A partir de seus dois primeiros filmes, “À meia-noite levarei sua alma” (1964) e “Esta noite encarnarei no teu cadáver” (1967) – reconhecidamente dois dos melhores filmes já produzidos no país –, Mojica elabora sua filmografia como a demarcar terreno para ocupar espaço único na História. Ao mesmo tempo em que apresenta um gênero ao cinema nacional, ele o subverte narrativamente, ampliando seu campo de atuação para além da exploração vazia de seus elementos-chave. Assim, cria uma mitologia em torno de um personagem 100% brasileiro e faz de si uma referência indelével no horror.

 

José Mojica Marins alcançou isso tudo dentro das molas propulsoras de uma linguagem cinematográfica popular, mas sem subestimar a capacidade do público de ler suas metáforas visuais. Sua proposta arrojada e corajosa de relevo de personagens solidificou por cinco décadas uma presença física e espiritual da iconografia do cinema. Com todas essas credenciais, visuais e autorais, como seria possível não mitificá-lo?

Á meia noite levarei sua alma, de José Mojica Marins (Brasil, 1964). Com José Mojica Marins, Magda Mei, Nivaldo Lima.

 

Horror. Sinopse: O sádico e cruel coveiro Zé do Caixão pretende gerar um filho perfeito para dar continuidade ao seu sangue. No entanto, sua mulher não consegue engravidar e ele acaba violentando a mulher do seu melhor amigo. A moça agredida pelo coveiro quer se suicidar com o intuito de regressar do mundo dos mortos e levar a alma de Zé do Caixão. 84 minutos. 16 anos.

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