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Homenagem a Manoel de Oliveira

Por Leonardo Luiz Ferreira

Ao mestre com carinho

 

Início, fim e meio. O cineasta português Manoel de Oliveira abrange a história do cinema. Ele é o arco que passa pelo cinema mudo, sonoro, preto e branco, em cores e 3D. Um mestre da sétima arte com uma das obras mais ousadas, expressivas e significativas do século XX e XXI. A sua morte no dia 2 de abril de 2015, aos 106 anos de idade, é uma grande perda para o cinema. Entretanto, como não celebrar uma carreira brilhante construída com inúmeras obras-primas? O instante da morte é também o momento de relembrar o seu legado, e, por mais que alguns apontem um ou outro realizador, não dá para pensar no ofício cinematográfico sem passar pelo nome de Manoel. A passagem física é mero detalhe transitório: Manoel de Oliveira está vivo em cada fotograma de “Douro, faina fluvial” (1931) até “Um século de energia” (2015).

 

Manoel Candido Pinto de Oliveira nasceu na cidade do Porto, Portugal, em 11 de dezembro de 1908. Filho da alta burguesia, ele estudou em colégios de jesuítas e dedicou a adolescência ao atletismo, chegando depois a praticar o automobilismo - participou inclusive de uma prova no Brasil. Mas é a vida boêmia com intelectuais portugueses que muda definitivamente a sua inclinação desportiva para as artes. O interesse pelo cinema e pela literatura se concretiza com a ida para uma escola de atores fundada pelo italiano Rino Lupo. A partir de referências de documentário, parte para a realização cinematográfica com o curta “Douro, faina fluvial”, em que Manoel registra o cotidiano do rio nos moldes de uma sinfonia da metrópole. Após algumas outras experiências, inclusive como ator, o estabelecimento como autor em tão tenra idade vem com sua estreia na ficção em “Aniki Bobó” (1942), que, muito antes de François Truffaut (“Os incompreendidos”), aborda um retrato agridoce da infância. Nesse princípio de carreira já se delineia uma tônica: consagração da crítica estrangeira e falta de reconhecimento no próprio país.

 

Os longos intervalos entre os trabalhos passam a se tornar uma realidade. Algo que só vai se modificar nos anos 70, quando é reconhecido na França como um dos principais autores do cinema e passa a receber financiamento para suas obras. É como se ele tivesse passado quase a vida inteira depurando o estilo, e é impressionante e inigualável o que Manoel de Oliveira realiza entre “O passado e o presente” (1972) até “O gebo e a sombra” (2012). Um cinema de dramaturgia, que faz a súmula de todas as artes, tendo como cerne o apego à palavra, à composição de planos meticulosa com cada elemento trazendo um signo em si para entender os personagens. Ver um filme de Manoel de Oliveira na telona é como passar pela experiência sensorial de quadros dos principais pintores e das sinfonias dos grandes mestres. É tocar o sublime em um respeito sagrado à imagem e ao som. Cinema em estado puro.

 

“O cinema é o modo mais direto de entrar em competição com Deus”, como decretou Federico Fellini. Manoel, em sua vasta filmografia, esculpe o tempo e a memória, filosofa sobre o homem e seu papel no universo, além de refletir sobre a finitude da vida: “O cinema dá-nos uma visão da vida. E a vida é um mistério. O mundo é complexo, incompreensível, talvez não tanto para quem tem uma crença nalguma coisa firme, mas para aqueles onde a dúvida prevalece. E o que proponho é a dúvida. A dúvida é uma maneira de ser”, ressalta Manoel em uma de suas últimas entrevistas. O princípio da incerteza norteia a sua obra, assim como seu estado de espírito, como estivesse sempre a indagar: o que é o cinema? O que é a vida? Não há resposta para as dúvidas existencialistas do homem, somente a busca. E tal qual um personagem da literatura de Agustina Bessa-Luís, que serviu de inspiração para tantos trabalhos, Manoel era movido pela inquietude de um jovem a descobrir o mundo pela primeira vez.

 

Filmografia (longas-metragens):

1942 – Aniki Bobó

1963 - Acto da Primavera

1972 - O Passado e o Presente

1974 - Benilde ou a Virgem Mãe

1979 - Amor de Perdição

1981 - Francisca

1982 - Visita ou Memórias e Confissões

1985 – O Sapato de Cetim

1986 - O Meu Caso

1988 - Os Canibais

1990 - Non, ou a Vã Glória de Mandar

1991 - A Divina Comédia

1992 - O Dia do Desespero

1993 - Vale Abraão

1994 - A Caixa

1995 - O Convento

1996 - Party

1997 - Viagem ao Princípio do Mundo

1998 - Inquietude

1999 - A Carta

2000 - Palavra e Utopia

2001 - Porto da Minha Infância

2001 - Vou para Casa

2002 - O Princípio da Incerteza

2003 - Um Filme Falado

2004 - O Quinto Império - Ontem Como Hoje

2005 - Espelho Mágico

2006 – Sempre Bela

2007 - Cristóvão Colombo – O Enigma

2009 - Singularidades de uma Rapariga Loura

2010 - O Estranho Caso de Angélica

2012 - O Gebo e a Sombra

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