Homenagem ao crítico Michel Ciment
Por Rodrigo Fonseca
Um crítico best-seller na arte de entrevistar
Lembranças de infância, lá de 1944, ligadas à ação das tropas americanas na libertação da França ocupada por nazistas, fizeram Michel Ciment (1938-2023) amar a vertente autoral de Hollywood. Ele amou filmes americanos por toda a vida, e fez deles objetos das críticas que escreveu para alguns dos veículos de imprensa de maior prestígio da Europa. A “Positif”, revista fundada em 1952 e celebrizada como concorrente direta da “Cahiers du Cinéma”, foi a plataforma mais prolífica das ideias de Ciment, que começou a escrever em suas páginas em 1963.
Três anos depois, em decorrência do sucesso de um artigo seu sobre Orson Welles, virou editor da publicação, sem nunca deixar o posto de crítico. Cuidou da “Positif” até a pandemia de covid-19, sempre exercitando seu interesse em perfilar cineastas com potência para criar uma obra própria e almejar o status de mestre. Grandes nomes foram agraciados com a pena de Ciment a partir de 1973, ano de lançamento de seu primeiro sucesso nas livrarias, Kazan par Kazan.
Graças à paixão pelo diretor de “Sindicato de ladrões” (1954) e por George Stevens (de “Assim caminha a humanidade”, de 1956), Ciment puxou papo com Terrence Malick, quando “Terra de ninguém” foi finalizado, em 1973. Tornou-se então o primeiro e único jornalista a entrevistar o recluso diretor – até uma masterclass dele em 2017. A arte de entrevistar sempre foi o forte de Ciment, vide o livro Passeport pour Hollywood: Entretiens avec Wilder, Huston, Mankiewicz, Polanski, Forman & Wenders, de 1992.
Fã de Ruy Guerra e Cacá Diegues, Ciment adorava cinema brasileiro. Respeitado por sua escrita fina e pela memória prodigiosa, tinha opiniões ferinas. Contestava a presença de “Juventude em marcha” na briga pela Palma de Ouro de 2006, implicava com Jim Jarmusch e considerava “Gomorra” melhor do que “Z”, de Costa-Gavras. Era entusiasta de Bertrand Tavernier e Volker Schlöndorff, estimulando que a obra desses mestres do cinema europeu fosse vista. E respeitava grifes que renovavam a fé da cinefilia em expressões de ousadia.