
Homenagem a atriz Gena Rowlands (1930-2024)
Por Gilberto Silva Jr.
Única e inigualável
Paixões ou admirações extremas costumam explodir na adolescência. E assim foi quando, no início de 1981, fui a uma sessão do filme “Gloria” (1980), de John Cassavetes. Fiquei impressionado com a força daquela atriz que encarnava, com uma garra até então inédita para aquele jovem cinéfilo, uma personagem que tirava coragem do fundo da alma para defender uma criança condenada pela máfia em uma Nova York suja e degradada.
Leituras me fizeram descobrir que Gena Rowlands era esposa do diretor e, para além da vida conjugal, a dupla havia estabelecido uma colaboração em filmes com impacto marcante na história do cinema ao longo de mais de duas décadas. No entanto, ao entusiasmo inicial seguiu-se uma frustração: os filmes da dupla Cassavetes/Rowlands eram inacessíveis para o expectador brasileiro, seja nas telas de cinema ou cinematecas, na TV, ou mesmo nas fitas VHS que se difundiram nos anos seguintes.
Foi necessário um hiato de 18 anos para uma retrospectiva no Festival do Rio de 1999. Não há como reproduzir o impacto daquelas sessões no Odeon. “Faces” (1968), “Uma mulher sob influência” (1974), “Noite de estreia” (1977) e “Amantes” (1984), para além da grandeza dos filmes, traziam toda a plenitude de uma atriz que não se enquadrava nos padrões definidos, imprimindo na tela não apenas atuações, mas uma vivência de figuras humanas em universos particulares. Cassavetes era consciente em ter ao seu lado nada menos que uma deusa e, mais que declarações de amor, seus filmes com Gena eram um espaço para que ela desfilasse uma sensibilidade que, fora dali, não teria espaço na indústria cinematográfica hollywoodiana.
“Uma mulher sob influência”, em especial, traz toda a caracterização da atriz como Mabel, a transposição de uma intensidade de sentimentos e sensações sem paralelo. Não considero exagero afirmar estarmos diante do mais complexo trabalho de atuação em cinema de todos os tempos. John partiu em 1989 e Gena seguiu imprimindo sua marca em filmes aquém de sua grandeza. Aos 94 anos, Gena se juntou a John em 2024 e, mesmo nunca tendo sido uma estrela, deixa seu legado como uma das atrizes mais espetaculares que já pisaram no planeta.
