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A Invenção de Hugo Cabret (Hugo), de Martin Scorsese (EUA)

Por Marcelo Janot

Tanto "O Artista", vencedor do Oscar no ano passado, quanto "A Invenção de Hugo Cabret", que foi derrotado por ele, são, cada qual à sua maneira, nostálgicas e bem-sucedidas declarações de amor ao cinema. Em ambos está explícita a importância da preservação da memória cinematográfica, num claro recado às novas gerações. "O Artista" mostra, muito mais por meio da forma do que do conteúdo, que, em pleno século XXI, um filme mudo e em preto e branco pode ser puro entretenimento, como era para nossos ancestrais há cem anos. Já Scorsese atinge o mesmo objetivo seguindo um caminho inverso: sem abrir mão dos recursos tecnológicos contemporâneos, inclusive fazendo uso do 3-D da maneira mais eficiente que já se viu desde a "retomada" do formato, ele realizou uma aventura infanto-juvenil à moda antiga, recheada de cenas de perseguição, comédia pastelão e sentimentalismo exacerbado. 

O que coloca "A Invenção de Hugo Cabret" num patamar acima dos filmes do gênero é a inteligência do roteiro de John Logan ao mesclar os diversos elementos dramáticos e, sobretudo, o olhar de Scorsese. Ambos, roteiro e direção, compreenderam que contar a história de um menino órfão que, escondido, controla as engrenagens do relógio da gare de Montparnasse, é como contar a história do próprio ato da realização cinematográfica. 

Quando vemos o vaivém das pessoas na estação de trem sob o olhar do menino Hugo (Asa Butterfield), e a atenção dele se foca nas pequenas histórias daquele cotidiano, é como se Hugo fosse o cineasta ou o projecionista observando, incógnito, um grande ecrã de dimensões infinitas. É ele o responsável pelo bom funcionamento do imponente relógio visto de longe nas ruas de Paris. E é Scorsese, através do olhar inocente e cheio de frescor de um menino, o responsável pelo encaixe das peças na engrenagem que faz o cinema produzir tantos sonhos. 

Quando os irmãos Lumière inauguraram o cinema filmando a chegada do trem à estação, as pessoas na plateia corriam de medo achando que o trem sairia da tela, como num suposto efeito tridimensional. Scorsese não só reconstituiu a cena como fez do trem um elemento importante para o uso do 3-D no filme. E aí entra Georges Méliès. Ele mesmo, o mágico que se tornou cineasta, pioneiro no uso de efeitos especiais, é visto já velho (em comovente atuação de Ben Kingsley), como dono de uma pequena loja de brinquedos na estação. O resgate do responsável pelo histórico "Viagem à Lua", com direito a uma reconstituição das filmagens em 1902, é um dos momentos mais mágicos e comoventes do cinema recente. Mais uma retribuição que Scorsese, conhecido por seu valoroso trabalho de preservação de filmes clássicos e raros, dá a quem lhe permitiu se tornar um dos maiores cineastas vivos.

Hugo - EUA, 2011 - Direção: Martin Scorsese - Roteiro: John Logan  - Produção: Johnny Depp, Tim Headington, Graham King, Martin Scorsese - Fotografia: Robert Richardson - Montagem: Thelma Schoonmaker - Elenco: Ben Kingsley, Sacha Baron Cohen, Asa Butterfield, Chloë Grace Moretz, Ray Winstone, Emily Mortimer, Christopher Lee, Jude Law, Martin Scorsese - Duração: 126 minutos.

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