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Ilha do Medo (Shutter Island), de Martin Scorsese (EUA)

Por Leonardo Luiz Ferreira

"Se o coração do homem não transborda de amor ou de cólera....nada se faz no mundo". Este trecho retirado do livro O Cristo Recrucificado, de Nikos Kazantzakis, transmite o ímpeto, à primeira vista, na realização de Ilha do Medo. A ação só existe através do impulso do personagem a partir das lembranças de sua esposa, que faleceu, e do ódio que lhe corrompeu a alma para encontrar o responsável por seu assassinato. É nisso que o detetive Teddy Daniels acredita e embarca em uma viagem sem volta num ambiente hostil para desvendar um caso de desaparecimento aparentemente insolúvel. 

Ao ler o romance Paciente 67, de Dennis Lehane, Scorsese se interessou por uma adaptação da obra. É perceptível o quanto o material se relaciona com sua filmografia e com seus gostos como cinéfilo: ambientação noir em um jogo de luzes e sombras (cinema americano dos anos 40); a relação conflituosa com a religião ("perdoam-se os pecados. Mas e Deus?"); a obsessão do personagem principal que constrói a sua própria verdade (Taxi Driver eTouro Indomável), entre tantos outros elementos, que vão desde a presença de uma escada em espiral (Um Corpo que Cai e Sapatinhos Vermelhos) até um psicopata incendiário (Cabo do Medo). Só que um filme não se estrutura apenas com referências, por mais que a inspiração de Lehane seja o gótico do século 18 (Edgar Allan Poe e Mary Shelley) e que as associações possam aproximar Ilha do Medo de Samuel Fuller (Paixões que Alucinam), Stanley Kubrick (O Iluminado) e Don Siegel (Vampiros de Almas), é na condução de elegância estética e de domínio cinematográfico que Martin arquiteta um filme que reverbera o seu constante desequilíbrio entre a razão cartesiana de um cineasta centrado na forma com sentimentos inefáveis que transbordam em uma torrente emocional, que colide os limites da loucura com a sanidade. 

Martin Scorsese não busca a revelação para deslocar o eixo do espectador. Até mesmo esse momento crucial no farol é rodado de maneira desdramatizada por parte do psiquiatra em um distanciamento interpretativo do ator Ben Kingsley e sem auxílio da trilha sonora. O longa, em toda a sua extensão, apresenta diferenças claras na entonação dos diálogos, que são irônicos e inquisidores ao mesmo tempo. O que interessa ao realizador é o trabalho espaço-temporal que cria em ritmo vagaroso um estranhamento que cede lugar ao incômodo. Afinal, nada é mais assustador do que saber que numa prisão ou ilha o monstro não é a fera, mas sim a mente humana. 

Shutter Island - EUA, 2009 - Direção: Martin Scorsese - Roteiro: Laeta Kalogridis, baseado em obra de Dennis Lehane - Produção: Brad Fischer, Mike Medavoy, Arnold Messer, Martin Scorsese - Fotografia: Robert Richardson - Montagem: Thelma Schoonmaker - Elenco: Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo, Ben Kingsley, Emily Mortimer, Michelle Williams, Max von Sydow, Jackie Earle Haley - Duração: 148 minutos

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