Incêndios (Incendies), de Dennis Villeneuve (Canadá/França)
Por Susana Schild
Com cenas de tirar o fôlego - como a do título - e um final arrebatador, "Incêndios" incendeia a tela como um dos filmes mais impactantes e perturbadores dos últimos anos. Adaptação da peça homônima de Wajdi Mouawad, aclamado autor de origem libanesa radicado em Montreal, e quarto longa do diretor canadense Denis Villeneuve, "Incêndios" não esconde suas raízes de tragédia grega, em que a busca do passado revela verdades insuspeitas com alto poder de transformação.
A trama tem início quando Jeanne (Mélissa-Désormeaux Poulin) e Simon (Maxim Gaudette) recebem de um tabelião duas cartas escritas pela mãe Nawal Marwan (Lubna Azabal, magistral), recentemente morta, com instruções para que procurem o pai e o irmão. A dupla missão é encarada com perplexidade pelos gêmeos, que julgavam o pai morto e desconheciam a existência de mais um irmão. Antes da jornada inesperada, um professor faz à moça um alerta premonitório, embora voltado para a matemática pura: "Bem-vinda à terra da solidão, onde problemas insolúveis levarão a outros problemas igualmente insolúveis".
A terra que aguarda os irmãos não é identificada, mas, como o Líbano, foi cenário de conflitos fratricidas entre cristãos e muçulmanos de 1975 a 1990. Aos poucos, o passado da mãe torna-se cada vez mais presente - o amor juvenil proibido e suas trágicas consequências que culminaram com um longo período na prisão, onde Nawal era conhecida como "a mulher que canta".
Embora mantenha o conflito religioso como pano de fundo, Mouwad/Villeneuve fazem a acertada opção pelo indivíduo, universal e atemporal em suas dores, perdas e desejo de recomeço. Ao desbravarem o campo minado dos problemas insolúveis - o passado materno -, Jeanne e Simon, com um misto de perplexidade e horror, confirmarão uma equação inimaginável: "um mais um é igual a um".
Com um destino trágico e não maniqueísta, Nawal Marwan se impõe como uma grande criação da dramaturgia contemporânea. Em seu leito de morte, ela luta pela quebra do silêncio - forma de cumprir uma promessa, merecer uma lápide em seu túmulo e substituir, pelo menos no âmbito doméstico, um ciclo de ódio fratricida por uma possibilidade de paz.
É com rigor matemático que "Incêndios" soma todas as suas parcelas - roteiro, elenco, montagem, fotografia e trilha sonora - e contrapõe, com perfeição, passado e presente, drama e contenção, histórias pessoais e História. Um filme poderoso, que se mantém presente, por muito tempo, na mente do espectador.
Incendies - Canadá/França, 2010 - Direção: Dennis Villeneuve - Roteiro: Denis Villeneuve - Produção: Kim McCraw, Luc Déry - Fotografia: André Turpin - Montagem: Monique Dartonne - Música: Grégoire Hetzel - Elenco: Lubna Azabal, Mélissa Désormeaux-Poulin, Maxim Gaudette, Rémy Girard, Allen Altman - Duração: 130 minutos