Iniciativa Cinematográfica 2023
Por Pablo Bazarello
Aída Marques e Ivelise Ferreira pelo documentário “Nelson Pereira dos Santos: Vida de cinema”
Entrevista com Aída Marques
Todo ano, a ACCRJ concede o Prêmio de Melhor Iniciativa Cinematográfica para indivíduos que se destacam nas mais variadas áreas da produção de cinema. As eleitas em 2023 foram Aída Marques e Ivelise Ferreira, pela direção do documentário “Nelson Pereira dos Santos: Vida de cinema”, que fez sua estreia no prestigiado Festival de Cannes em maio de 2023.
Ivelise Ferreira é viúva do icônico cineasta que dá título ao documentário e que dirigiu clássicos absolutos da nossa cinematografia, como “Vidas secas” (1963) e “Memórias do cárcere” (1984). Aída Marques é cineasta e professora de Cinema na Universidade Federal Fluminense (UFF). A ACCRJ teve a oportunidade de entrevistar Aída Marques sobre o documentário e a premiação. Confira a conversa, a seguir.
ACCRJ: Como surgiu a ideia de fazer o documentário “Nelson Pereira dos Santos: Vida de cinema”?
Aída Marques: O Nelson ia fazer um filme sobre Dom Pedro II com o historiador José Murilo de Carvalho. O tempo foi passando e ele desistiu. Então, a Ivelise e ele acharam que estava na hora de fazer um filme sobre o próprio Nelson. Eles me chamaram para fazer a produção e nós três concluímos que uma mulher deveria dirigir. A Ivelise e eu começamos a procurar uma diretora; pensamos muito e não encontramos ninguém. Assim, o próprio Nelson decidiu que quem deveria comandar o longa éramos nós duas, o que acabamos fazendo. E foi muito bom.
ACCRJ: Como foi o processo até a concretização da produção? Quais as maiores dificuldades?
A.M.: O processo de captação a gente fez no início, quando o Nelson ainda estava vivo. Ele ia participar do filme, teria um alter ego. Então, [a ideia] era completamente diferente. Depois do falecimento dele, a gente resolveu que faria um filme de arquivo, porque terminamos não fazendo nenhuma entrevista com ele. Eu já estava trabalhando com os filmes dele e com ele havia alguns anos. No meu pós-doutorado, me dediquei a pesquisar a obra do Nelson durante um ano. Fiz com ele a pesquisa para a ocupação no Itaú Cultural em São Paulo, cujo tema era ele próprio e suas obras. Começamos a pesquisa sem nenhum recurso. Nesse processo, fui revendo todos os filmes dele. Todo o material audiovisual eu já tinha levantado. Nisso, vimos que possuíamos um vasto conteúdo, o que permitia deixar a narração para o próprio Nelson. Ou seja, ele contaria a própria história. Mas foi complicado, porque veio o [presidente Jair] Bolsonaro, veio a covid e aí ficou difícil. No início, nós trabalhamos remotamente. Logo, conseguimos parceiros, como a Globo Filmes e o Canal Brasil, mas precisávamos de mais recursos. Foi quando a prefeitura de Niterói entrou no projeto.
ACCRJ: Qual a principal intenção do documentário?
A.M.: Nossa principal intenção é mostrar esse cineasta fantástico, através dele próprio e de sua filmografia. Mostrar o Brasil, a cultura brasileira, o cinema brasileiro. Porque a gente não pode separar o Nelson de tudo o que aconteceu, de todas as manifestações das quais ele participou, das instituições. Então, o filme fala para além do Nelson. Fala sobre quem é esse intelectual que influenciou tanto a cultura brasileira.
ACCRJ: Como foi a experiência de exibir a produção em um festival tão prestigiado como o de Cannes?
A.M.: A experiência em Cannes não poderia ter sido melhor. Logo que inscrevemos o filme, a curadoria ficou encantada com ele. E a gente torcendo para o filme ser selecionado. Lá foi muito bom, a sessão estava lotada. Houve comentários e muitas entrevistas para revistas especializadas. Até hoje mantemos contato com essas revistas. Realmente, foi uma abertura maravilhosa. Um sonho, porque Cannes foi o festival que o Nelson mais frequentou.
ACCRJ: Qual o seu primeiro contato com o cinema de Nelson Pereira dos Santos? E o que a obra dele significa para você?
A.M.: O meu primeiro contato com o cinema do Nelson aconteceu a partir de uma experiência pessoal, aos 10 anos de idade. Foi com “Vidas secas”, em uma sessão para convidados em Niterói, no [extinto] Cine São Bento. Eu morava em Niterói e o Nelson também. Meu pai circulava nos mesmos meios que ele, era amigo dele. Meu pai me levou a essa sessão. Fiquei encantada. As pessoas estavam muito felizes porque o filme ia para Cannes. Foi minha primeira sessão para convidados.
ACCRJ: Pelo filme “Nelson Pereira dos Santos: Vida de cinema” você recebeu o Prêmio Iniciativa Cinematográfica 2023 da ACCRJ. O que isso significou para você?
A.M.: Olha, receber esse prêmio da Associação de Críticos foi realmente maravilhoso, porque estamos recebendo um prêmio de pessoas que gostam de cinema, que entendem de cinema, que falam sobre cinema – mais até do que nós, que somos realizadoras. Eu acho que o Nelson Pereira merece esse prêmio. Por tudo que fez pelo cinema brasileiro. Não só por sua filmografia, mas por sua atuação política em defesa do cinema brasileiro, sempre. Participou de cooperativa brasileira de cinema, participou das iniciativas de leis de incentivo e sempre foi um porta-voz da cultura brasileira, do cinema brasileiro e do Brasil.
ACCRJ: Você é professora, montadora, roteirista, produtora e diretora. Quais seus próximos projetos? Pensa em realizar novos documentários?
A.M.: Eu estou muito ativa, com muitos projetos, querendo falar de muitas coisas atualmente. Estou captando recursos para um projeto sobre mulheres acima dos 50 anos. Acho que é um assunto que tem de ser tratado logo. E também para duas ficções, dois filmes de ficção, longas-metragens: um sobre o amor e a paixão baseado na obra de Stefan Zweig; o outro é um argumento original, sobre nossas recentes desandadas na política. Enfim, estou bastante feliz, podendo trabalhar bastante e querendo falar de muitas coisas. E, finalmente, muito obrigada mesmo a todos vocês.
Nelson Pereira dos Santos: Vida de cinema, de Aída Marques e Ivelise Ferreira (Brasil, 2023).
Documentário. Sinopse: A obra revisita a trajetória de Nelson Pereira dos Santos passeando pelas imagens de seus filmes, desde a década de 1950 até a atualidade, período em que a vida do cineasta se entrelaça com a história do próprio país e do cinema brasileiro. 102 minutos. 14 anos.