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Jersey Boys: Em busca da música (Jersey Boys), de Clint Eastwood (EUA)

Por Mario Abbade

Revisionismo e sonho americano

 

Aos 84 anos, Clint Eastwood vem demonstrando vitalidade surpreendente. Com uma carreira repleta de sucessos e reconhecido por crítica e público, o eterno homem sem nome de westerns icônicos não parece disposto a pisar no freio. E, com quatro Oscars (dois de direção e dois de melhor filme), Clint não vem buscando a confortável segurança dos gêneros responsáveis pela fama que lhe garante, até hoje, admiradores de diferentes gerações. Sem abrir mão de seu estilo, visivelmente inspirado em cineastas como John Ford e Howard Hawks, Clint tem um tempo próprio para desenvolver ideias e temas. Nele, o ritmo contemplativo está a serviço de tornar críveis as motivações dos personagens.

 

O diretor tem ainda obsessão por figuras dramáticas que lutam para conseguir, de variadas maneiras, o sonho americano de sucesso material juntamente com a autorrealização – o que nem sempre acontece na tela. Duas pequenas e sutis referências inseridas em Jersey Boys ilustram essa prática, uma no campo da ficção (uma cena de A Montanha dos 7 Abutres, de 1951, de Billy Wilder) e outra que flerta com a realidade (o seriado de TV Rawhide, de 1959, que marca o início da vida artística de Clint).Talvez tenha sido isso que o atraiu, desta vez, a dar sua versão do musical da Broadway, ganhador de quatro prêmios Tony.

 

O longa conta, pela perspectiva de cada um dos integrantes do Four Seasons (distinguida por uma leve mudança de cor como se fosse as quatro estações), a história do grupo, com triunfos e fracassos acompanhados por suas canções que encantam desde os anos 60. Contrariando expectativas, Clint não constrói o típico musical com números dançantes. Ele subverte o gênero, mesmo sabendo que pode frustrar os fãs da obra (o diretor brinca com o estilo dos musicais somente nos créditos, demonstrando qual era sua proposta desde o início) – e entrega um filme nostálgico como as peculiares biografias que eram feitas na Hollywood do passado.

 

Num primeiro momento, os mais afoitos podem achar que este é mais um longa formulaico sobre ascensão, queda e redenção de figuras célebres. Mas Clint abusa propositalmente dos clichês para colocar o público num campo familiar, no qual seus temas e suas questões são sutilmente embutidos, seguindo a cartilha do entretenimento com ideias, com a aparente simplicidade ditando os desdobramentos da narrativa. E tudo é construído com planos elegantes e uma linguagem de cores saturadas. Movimentos e posição de câmera pretendem corroborar o vulcão de sentimentos dos personagens. Clint não está em busca de respostas ou de explicar a importância de Frank Valli and the Four Seasons. Sua abordagem é nostálgica; e sua intenção, convidar o público a esse universo em que a música e os laços de amizade são objetos de reflexão.

 

Jersey Boys faz parte de um grupo específico de filmes a que Clint tem voltado sua atenção. Da mesma forma como o diretor tem recontado capítulos históricos, este novo longa é cinemão trabalhado com talento, técnica e sensibilidade. Desde Coração de Caçador (1990) ele vem fazendo isso, uma espécie de revisionismo (Os Imperdoáveis) para o qual fatos (A Conquista da Honra) e personalidades (J. Edgar) têm sido o seu combustível. E poder recontar o que entrou para a história permite um questionamento do sonho americano.

Jersey Boys – EUA, 2014 - Direção: Clint Eastwood – Roteiro: Marshall Brickman, Rick Elice – Produção: Clint Eastwood, Tim Headington, Graham King, Robert Lorenz - Fotografia: Tom Stern – Montagem: Joel Cox, Gary Roach – Elenco: John Lloyd Young, Christopher Walken, Vincent Piazza, Freya Tingley – Duração: 134 minutos.

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