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Kill Bill Vol. 2, de Quentin Tarantino (EUA)

Por Rodrigo Fonseca

Maior briga de casal da história da arte cinematográfica, "Kill Bill", volumes 1 e 2, compõem juntos um ensaio sobre as aparências em forma de aventura marcial. Lorotas que são descartadas ao longo de um roteiro pontuado de fina ironia e ferino sadismo, ao desvelar o lado de melodrama passional, de novelão das seis, oculto no âmago de um arranjo samurai com a histeria visual de uma história em quadrinhos.

Reforçando a idéia que o "Vol.1" é pouco mais do que um estroboscópico intróito, Kill Bill - Volume 2(2004) destacou-se na cena cinematográfica internacional de 2004 um pouco por marcar a volta do dialoguista Quentin Tarantino, figura única na telona pela capacidade de cerzir a balbúrdia barroca da cultura pop com arame farpado de filosofia existencialista. 

Depois de delirar na experimentação estilística nas seqüências do tomo inicial desta saga de revanchismo, principalmente a luta regada a sucrilhos multicolridos entre a Noiva e a mulata Vernita Green (Vivica A. Fox), Tarantino resolveu assumir de vez a bandeira de que não se edifica um grande filme meramente com palavras sangradas. É preciso mais que isso.

Kill Bill, nesse aspecto, é um monólito divisor de águas na rarefeita (porém invejável) filmografia de Tarantino. Nos dois capítulos (mais no segundo que no primeiro), ele pôde brincar com a gramática que anos de cinefilia na veia lhe forneceram, fazendo do plano uma cartolina a ser recortada e colada a seu bel-prazer. Amparado na direção de fotografia do habilidoso Robert Richardson, o diretor conseguiu trafegar por cromatismos que vão do preto e branco ao cépia estourado em total ressonância com o oceano de bravios sentimentos de sua (anti-)heroína fantasiada de Bruce Lee. Aliás, em Vol. 2, o emblemático macacão amarelo deu lugar a um vestuário mais plural, ilustrando que não se trata mais de uma cirandinha de gibi e sim de um épico sobre a importância do código de Talião (olho por olho, dente por dente) na legislação das convivências sociais. 

Talvez por isso, cada personagem, mesmo o mais secundário organista (Samuel L. Jackson, numa pontinha) de igreja, tenha uma ética pessoal demarcada em alto relevo no roteiro do cineasta. Bill é galante; Seu irmão, Budd (Michael Madsen, radiante com seu carisma beat), é um arrependidolooser; O mestre Pai Mei (Gordon Liu) é um pai zeloso. Enfim, ninguém é um reles arquétipo infantilóide, e sim um adulto com neuroses na conduta de seus negócios. Ainda que esse negócio seja matar. 

Na peleja de Kill Bill, se há algum vencedor, é Uma Thurman, que sai imortalizada como diva. E Tarantino, que se consolida como autor, sobretudo na seqüência em que sua paixão pelas HQs o leva a uma metáfora para a tragédia humana a partir da figura do Super-Homem, dita por Bill, que é de matar de inveja toda a metafísica ocidental. É Tarantino indo ao alto. E avante...

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