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Marcas da Violência (A History of Violence), de David Cronenberg (EUA) 

Por Marcelo Janot

O fato de Marcas da Violência (A History of Violence, 2005) ser adaptado de uma história em quadrinhos ajuda a entender o porque de personagens com características tão arquetípicas de uma certa sociedade americana, junto com aqueles que parecem saídos do universo de fantasia das HQ. Temos o vilão misterioso e assustador, de rosto marcado por cicatrizes e um olho de vidro, em confronto com o pacato pai de família de cidade do interior. Este, nas horas de perigo se transforma num autêntico super-herói sem uniforme, habilíssimo no manejo com armas e quase à prova de balas. Ao redor deles, gravitam a mãe dedicada e fiel, o filho exemplar, o xerife bonachão e aqueles amigos que passam o dia jogando conversa fora na lanchonete. 

Só que Marcas da Violência, antes de ser uma versão filmada de uma HQ, é um filme de David Cronenberg. No cinema deste diretor canadense, realizador de Spider, Crash, Scanners, Gêmeos - Mórbida Semelhança, entre tantos outros, isso implica em um mergulho pelos caminhos mais inexplorados da mente do ser humano. Assim, se a história em quadrinhos de John Wagner e Vince Locke se ocupava mais com a trama de aventura e suspense envolvendo um grupo de mafiosos, a Cronenberg o que interessa é o indivíduo, como este se apresenta e se relaciona com o mundo ao seu redor. A forma como ele trabalha o tempo já é o primeiro sinal de que o espectador não está diante de um filme de suspense comum, como as situações-clichê poderiam sugerir. Um longuíssimo plano praticamente fixo, em que dois homens conversam calmamente após terem cometido uma chacina, é o cartão de visitas. 

A violência sempre está presente em seus filmes, de forma explícita, excruciante, mas aqui ela é mais do que o meio pelo qual os personagens se manifestam: ela é o fim, como o título original (A History of Violence) já anuncia. Ao invés de os personagens apenas se servirem da violência, são reféns dela. Cronenberg faz um estudo da violência através do indivíduo, com toda a peculiaridade que o seu cinema possui. E ao mesmo tempo oferece uma leitura crítica da política governamental de George W. Bush. Tom Stall (Viggo Mortensen), o cidadão acima de qualquer suspeita, se vê frente a frente com o inimigo (Ed Harris) de ficha suja, que chega irredutível com um discurso misterioso e fazendo terror psicológico. Resta alguma dúvida de quem seja o Bem e o Mal? Na América interessada muito mais em aniquilar de uma vez o inimigo, não há espaço para se procurar a raiz do Mal dentro do próprio umbigo. Cronenberg sabe como cutucar uma ferida até sair pus, mas não oferece o remédio para a cicatrização.

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