top of page

Medos Privados em Lugares Públicos (Coeurs), de Alain Resnais (França/Itália)

Por Gilberto Silva Jr. 

Dirigindo longas-metragens há quase meio século - o primeiro deles, "Hiroshima Mon Amour", data de 1959 - Alain Resnais tem seu nome associado ao movimento da nouvelle vague e guarda desde estes primeiros momentos de sua obra uma temática recorrente de descontrução das convenções narrativas e das limitações espaço-temporais, que atingiram seu momento mais célebre em "O Ano Passado em Marienbad" (1961). Essa recorrência temática não abandona o autor até a década de 1970, como atesta o genial "Providence" (1978).

Partindo de "Melo" (1986), Resnais inicia uma aproximação de seu trabalho com outras formas de expressão artística, mais notadamente o teatro. Filmes seguintes como "Smoking/No Smoking" (1993) ou "Amores Parisienses" (1997) assumem uma encenação estilizada e não-naturalista, onde o cineasta explora as características teatrais de seus roteiros, ao mesmo tempo em que ressalta, através de minucioso trabalho de câmera, aquilo que eles possuem de mais cinematográfico.

Em Medos Privados Em Lugares Públicos(Coeurs, 2006), que parte de uma peça do dramaturgo inglês Alan Ayckbourn, essa técnica que Resnais vem burilando há mais de 20 anos assume seu momento de maior intensidade e perfeição. Seus personagens, figuras solitárias ao mesmo tempo patéticas e carismáticas, interagem entre si e com cenários que não disfarçam um intencional artificialismo, que acaba por se tornar surpreendentemente natural devido à maneira virtuosa através da qual o diretor consegue integrar todos os aspectos de sua mise-én-scène, explorando ao máximo a fotografia e os cenários estilizados, assim como uma minuciosa direção de atores. 

Todo o elenco, onde se destacam colaboradores recorrentes dessa fase teatral de Resnais - Sabine Azéma, Pierre Arditi, André Dussollier - traz interpretações memoráveis, engrandecendo essa visão renovada e particular que o diretor nos traz sobre o eterno clichê dos corações solitários. Esses corações - os Coeurs do título original - tentam desesperadamente superar a frieza das emoções e relações humanas, frieza essa destacada pela neve incessante através da qual se faz a ligação entre as diferentes cenas. Essa mesma frieza, no entanto, não se estende à maneira com a qual Alain Resnais conduz seu trabalho, aliando uma intensa jovialidade à sua experiência de mais de oito décadas de vida e produzindo aqui mais uma obra-prima de intensa beleza.

bottom of page