Melhor Filme: Meia Noite em Paris (Midnight in Paris), de Woody Allen (Espanha/EUA)
Por Luiz Fernando Gallego
Woody Allen é um daqueles diretores de cinema que fazem o mesmo filme mais de uma vez. Desde que se entenda tal afirmação no sentido de que cineastas autorais abordam os mesmos temas em filmes diferentes - como intérpretes de jazz desenvolvem variações melódicas em torno do mesmo tema musical.
Podemos citar alguns grupos de filmes com temática semelhante: "Crimes e pecados", "Match point" e "O sonho de Cassandra" trazem as consequências - ou inconsequências - de transgressões éticas; já "A rosa púrpura do Cairo", "Simplesmente Alice" e "Meia-noite em Paris" dão vida às fantasias pelas quais os protagonistas tentam compensar suas frustrações.
Nesse último filme, Gil (Owen Wilson com os tiques de um Woody Allen mais jovem, mais ingênuo e mais galã) é um roteirista de Hollywood tão bem-sucedido financeiramente quanto insatisfeito artisticamente. Em Paris, fascinado pela efervescência cultural da cidade nos anos 1920, realiza o sonho de (ou apenas sonha?) encontrar, em plenos anos loucos, seus idealizados escritores, Hemingway e Scott Fitzgerald.
Em vez da tela de cinema em que a Cecilia de "A rosa púrpura do Cairo" se refugiava de uma vidinha infeliz, e no lugar das viagens proporcionadas a Alice por um chá nada vitoriano, Gil entra num carro de época (um Ford T) que se desloca tanto no espaço como no tempo. O prodigioso automóvel lembra outro carro cinematográfico, o DeLorean que também levava Marty McFly a um passado no qual jamais havia vivido - para, posteriormente, tomar o rumo "De volta para o futuro".
Gil vai poder abdicar do passado ao se dar conta do abismo entre o presente real - no qual vive - e o sonho com uma época de ouro - idealizada porque sempre anterior ao tempo atual, seja ele qual for. O que fica demonstrado pela nostalgia da personagem de Marion Cotillard: os anos 20 sonhariam com a Belle Époque.
Delicadamente, como no final de "A rosa púrpura", Allen devolve personagens e espectadores à realidade atual, mas confirma que o cinema serve de modo exemplar à realização de desejos, tal como dizia Freud sobre os sonhos. Se estes realizam desejos infantis reprimidos, o cinema reifica o anelo por um passado tão idealizado quanto inatingível, advertindo que nada terá encantamento suficiente para substituir a vida real e o tempo presente. A sessão de cinema acaba, o filme (ou sonho) também, mas a vida talvez fique um pouco menos áspera depois dessa sessão nostalgia capaz de nos seduzir para sonharmos - e despertarmos como Cinderela no baile, com hora marcada para a magia acabar.
Midnight in Paris - Espanha/EUA, 2011 - Direção: Woody Allen - Roteiro: Woody Allen - Produção: Letty Aronson, Jaume Roures, Stephen Tenenbaum - Fotografia: André Turpin - Montagem: Alisa Lepselter - Música: Stephane Wrembel - Elenco: Kurt Fuller, Owen Wilson, Marion Cotillard, Michael Sheen, Tom Hiddleston, Kathy Bates, Rachel McAdams, Gad Elmaleh, Carla Bruni, Nina Arianda, Mimi Kennedy, Corey Stoll, Manu Payet - Duração: 94 minutos