Os melhores filmes de 2011
Por Mario Abbade
O cinema dá um baile no carnaval
O carnaval já está na rua. Mas, para quem não sente a menor vontade de dançar conforme a música dos tamborins pelos blocos da cidade, o programa nota 10 acontece no escurinho do cinema. Na Mostra Melhores Filmes do Ano da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, são 12 dias de reflexão, folia e brincadeira para cinéfilo nenhum botar defeito. Os longas eleitos pela crítica serão exibidos de 14 a 26 de fevereiro no Centro Cultural Banco Brasil. É hora de aproveitar a chance para colocar em dia as pendências cinematográficas de 2011, sem abrir mão do formato original, na tela grande.
Além dos filmes, a programação inclui seis debates que discutem, a cada dia, dois filmes agrupados de acordo com o tema. A lista deixou para trás a camisa de força do número redondo, e os tradicionais 10 eleitos viraram 12 para não atravessar o samba. Não foi a primeira vez. Os críticos resolveram tomar essa liberdade para garantir o resultado mais justo da votação, já que as escolhas variam de acordo com a realidade da produção cinematográfica de cada ano.
O eleito melhor filme foi “Meia-noite em Paris”, comprovando que Woody Allen continua, quase aos 80 anos, surpreendendo o público com seu humor inteligente. O longa foi a maior bilheteria da carreira do diretor, superando os oscarizados “Noivo neurótico, noiva nervosa” (“Annie Hall”) e “Hannah e suas irmãs”. E, já que o assunto é humor, o escolhido para fazer par com o filme de Allen foi a produção argentina “Um conto chinês”, de Sebastián Borensztein, que tem como protagonista o talentoso Ricardo Darín. Além de graça e reflexão, os dois longas têm em comum uma aura de fantasia.
O segundo colocado na eleição dos melhores de 2011 foi “O garoto da bicicleta”, que conquistou o Grande Prêmio do Júri no último Festival de Cannes. Os irmãos belgas Luc e Jean-Pierre Dardenne já tinham levado antes no festival, por duas vezes, a Palma de Ouro, com “Rosetta”, de 1999, e “A criança”, de 2005. Partindo de um conceito pouco ortodoxo sobre a família e as relações humanas, “O garoto da bicicleta” divide o debate com “Copia fiel”, de Abbas Kiarostami. Com o longa do diretor iraniano, a francesa Juliette Binoche ganhou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes de 2010. O fato de terem duas grandes atrizes como protagonistas é mais um ponto em comum entre os dois filmes. A belga Cécile De France vive Samantha, que muda o destino do personagem-título no filme dos irmãos Dardenne.
Cécile também está presente em “Além da vida”, do mitológico ator e cineasta americano Clint Eastwood, que no longa lançou mão de personagens marcantemente ambíguos para explorar o espinhoso tema da possibilidade de existir vida após a morte. O filme fez a felicidade dos espíritas, mas dividiu os fãs do diretor. Outro nome consagrado em seu estilo que ousou se aventurar em novas searas foi o espanhol Pedro Almodóvar. Em “A pele que habito”, o cineasta usou sua típica assinatura kitsch num filme de terror com muitas camadas de suspense. O debate junta, assim, os longas de dois renomados diretores que causaram muitas controvérsias, mas comprovaram que mantêm o frescor, graças à coragem de deixar o conforto de suas obras anteriores premiadas para inovar.
Mas, se o assunto é ousadia, ninguém supera Lars Von Trier, que se destacou com o seu “Melancolia”. Sempre ocupado em chocar e atiçar jornalistas com suas polêmicas opiniões, o diretor acabou vendo o feitiço se virar contra o feiticeiro em Cannes. O filme ficou em segundo plano diante da edição que tornou públicas declarações do controverso cineasta dinamarquês. Independentemente das sandices ditas por Lars Von Trier, “Melancolia” é uma síntese do que existe de melhor em seus filmes anteriores, tudo a serviço do tema apocalipse, com abordagem pela via da metafísica. O assunto também está presente em “A árvore da vida”, mas com uma grande diferença, já que o cineasta Terrence Malick parece ter convicção na existência de Deus. Os contrastes entre os dois cineastas vão além: o diretor americano é avesso a entrevistas, festivais e badalações. Mas, divergências à parte, o importante é que de uma característica ambos comungam: a qualidade dos filmes.
São os porões da truculência política que unem dois outros eleitos na seleção dos longas exibidos em 2011: “Incêndios”, do franco-canadense Denis Villeneuve, e “Diário de uma busca”, de Flávia Castro, a única produção brasileira entre as melhores do ano. No primeiro, de longe o melhor filme canadense de 2010, a história revê, a partir do Oriente Médio, temas como guerrilha, prisão e tortura. Numa menção ao título, a herança cultural e a identidade dos filhos que sobrevivem a esses acontecimentos em família muitas vezes são como ruínas deixadas por incêndios. Ainda dentro do tema da história de cada um, em seu documentário de estreia, Flávia Castro sai em busca de suas memórias afetivas e familiares para reconstruir a trajetória do pai, Celso Afonso Gay de Castro (1943-1984), militante político que viveu no exílio e morreu em circunstâncias misteriosas.
Outro documentário compõe a última dupla de eleitos que vai a debate, só que desta vez a trajetória a ser recuperada não é a de uma pessoa, mas de um filme. O francês “O inferno de Henri-Georges Clouzot”, de Serge Bromberg e Ruxandra Medrea, reconstitui a história do filme jamais terminado “L’enfer”, do diretor francês Henri-Georges Clouzot (1907-1977). A produção revela o apuro visual das imagens filmadas por Clouzout e investiga o que aconteceu ao longa. O roteiro chegou às telas mais tarde adaptado por Claude Chabrol, em “Ciúme — O inferno do amor possessivo”. O par de “O inferno de Henri-Georges Clouzot” é “O vencedor”, também baseado num personagem real. O longa conta a história de Micky Ward e seu irmão, Dicky Ecklund, vivido por Christian Bale, que levou o Oscar de melhor ator coadjuvante pelo papel. Além de Bale, Melissa Leo ganhou com o Oscar de melhor atriz coadjuvante com o filme. O longa partiu de vídeos das disputas originais para criar as sequências de luta, além de outros cuidados para reconstituir fielmente a vida de Micky Ward dentro e fora dos ringues.
Como em todo carnaval, a programação tem fantasia e diversão, entre outras coisas mais, só que, em vez das ruas da cidade, as atrações entram em cena na sala refrigerada do cinema. Basta trocar a cerveja pela pipoca para encarar essa outra maratona, afinal, quem não gosta dos melhores filmes do ano bom sujeito não é.
Mario Abbade – Organizador da Mostra e Presidente da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ)