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Melhor Iniciativa Cinematográfica de 2019

Por Ricardo Cota

A exemplar face do crítico

“Sete faces de Eduardo Coutinho” não se enquadra apenas como "obra de referência". Vai além, muito além por sinal. Como o próprio autor esclarece, o substancial volume resulta de outro trabalho, publicado em 2003: “Eduardo Coutinho – O homem que caiu na real”, um livro-catálogo realizado sob encomenda para o Festival do Cinema Luso-brasileiro de Santa Maria da Feira.

 

Estamos assim diante de um work in progress, que ao longo dos últimos 16 anos só ratificou as virtudes do autor. A começar pelo refinamento do olhar a cada revisão das obras comentadas, enriquecidas por detalhes e observações advindas tanto da pesquisa rigorosa quanto da sensibilidade apurada de um analista de imenso repertório. A lapidação da escrita, cuja individualidade tem o carimbo do pesquisador obcecado pela precisão e do escritor sintético, garantem ao leitor paralelamente a segurança da informação e o prazer da fruição do texto.

 

Mas “Sete faces de Eduardo Coutinho” celebra também o encontro das condutas éticas do cineasta Eduardo Coutinho e do crítico Carlos Alberto Mattos. Analisando a trajetória de Coutinho, Carlos Alberto observa uma depuração do rigor da concepção do documentário. Uma afinação do momento sagrado da filmagem, do “presente absoluto“, que o cineasta Silvio Da-Rin, na introdução do livro, definiu como expressão de “uma fabulação reveladora“, cuja metodologia Coutinho dividia com seus poucos e fiéis assistentes.

 

A aproximação entre cineasta e crítico se dá pela interpretação da palavra “rigor“. Assim como Coutinho afina seu método, esmerando a compreensão do documental, do registro do momento, da primazia do presente, Carlos Alberto refaz a geografia do seu mapa cinematográfico concentrando suas viagens para o prisma do documentário, sobretudo brasileiro, sem, no entanto, abandonar o aprendizado com as obras ficcionais. Quem lê seus ensaios jamais verá nossos filmes da mesma forma. Irá perceber como o documental pode estar tanto numa linha de pesquisa de Vladimir Carvalho como num plano de Dib Lutfi, câmera na mão, ainda que filmando uma ficção.

 

Ao escolher “Sete faces de Eduardo Coutinho” como iniciativa cinematográfica do ano, a ACCRJ homenageia não apenas este trabalho categórico de pesquisa. A homenagem reconhece o esforço do crítico, daquele que busca o interesse pelo cinema para além dos comentários passivos, das opiniões efêmeras que se esvaem na nuvem afoita da tecnologia. “Sete faces de Eduardo Coutinho”, portanto, não é um livro de referência sobre o cinema ou sobre a obra de um cineasta. É, sim, um livro referência para a responsabilidade do ofício da crítica de cinema.

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