Menina de Ouro (Million Dollar Baby), de Clint Eastwood (EUA)
Por Gilberto Silva Jr.
Menina de Ouro (Million Dollar Baby, 2004), pode ser considerado um par praticamente perfeito comSobre Meninos e Lobos (2003), filme que o antecede na obra de Clint Eastwood, no que concerne a um retrato dos sentimentos essenciais ao ser humano. Se em Sobre Meninos e Lobos tínhamos uma investigação sobre as raízes do ódio e suas conseqüências, em Menina de Ouro Eastwood retrata o amor em suas manifestações mais profundas.
Então temos aqui o amor em sua forma mais crua e brutal, impulso que determina todos os atos de uma vida, motivando a dura rotina de Maggie, Frankie e Scrap. Figuras desiludidas que pouco ou nada possuem além da paixão quase instintiva pelo boxe. Este, descrito pela narração em off que pontua o filme como "um ato anti-natural porque tudo que o envolve se dá de trás para frente", acaba se caracterizando, justamente por essa razão, como principal catalisador dos sentimentos dos protagonistas em seu cotidiano, exceto pelo boxe, vazio e vivido à distância de qualquer traço da realização idealizada do "sonho americano".
O trio vai formar, a seu modo, uma família, que espelha duas questões presentes em maior ou menor escala em quase todos os filmes dirigidos por Clint Eastwood, em especial a partir de Os Imperdoáveis (1992): o envelhecimento e as relações de paternidade. Mais intensamente na figura de Frankie, o treinador que sublima na relação com seus pupilos a frustração do abandono por parte da filha que o ignora, tornando-se para seus atletas um pai superprotetor que os impede de voar avante pelo puro medo de perdê-los. Ao deparar-se com Maggie, Frankie vai aos poucos libertando-se desse sentimento quase egoísta e redescobrindo um afeto recíproco, capaz de levá-lo, na conclusão do filme, ao ato de amor mais intenso e radical.
Clint Eastwood concebe seu filme de forma a refletir toda a existência desesperançada de suas personagens. Não somente na fotografia e na direção de arte, que criam uma ambientação dominada por tons neutros e escuros, onde as cores vivas somente aparecem na indumentária referente ao boxe: luvas, uniformes, cordas do ringue. Mas principalmente nos cortes secos da montagem e na criação de planos que impõem uma sobriedade quase franciscana, digna de um cineasta que, mais que nenhum outro no cinema atual, veio a herdar e dominar os preceitos da narrativa clássica propagada pelos grandes mestres do período áureo de Hollywood. Acaba, desse modo, criando uma comovente obra-prima onde a emoção se manifesta em suas formas mais puramente essenciais.